Como pacata cidade em Roraima se prepara para show de R$ 800 mil de Gusttavo Lima

Entrada da sede do município de São Luiz, no Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR


É em clima de empolgação, ansiedade e também de receio que moradores da pacata cidade de São Luiz, no interior de Roraima, se preparam para receber o polêmico show de Gusttavo Lima, um dos cantores de maior cachê do Brasil. Contratado por R$ 800 mil pela prefeitura, o cantor deve se apresentar em dezembro na região.

Comerciantes e pequenos produtores rurais, embora animados, ainda não sabem como vão atender aos 100 mil visitantes esperados para o evento. O município é o menor do estado e tem 8 mil habitantes. Os moradores estão distribuídos na sede da cidade, em um povoado chamado Vila Moderna e em lotes e fazendas pelas 15 vicinais da região.

Na sede de São Luiz há três restaurantes, duas pizzarias, duas churrascarias, dois hotéis, cerca de 10 comércios de venda de alimentos, vários bares e também igrejas protestantes. Os empresários estão empolgados com o evento, mas o receio de atender os turistas para o "grandioso evento" - como diria o prefeito, é algo constante. A cidade só é atendida por uma empresa de telefonia móvel, a Claro.

São Luiz tem um PIB de R$ 147,6 milhões, o segundo mais baixo do estado, ficando à frente apenas de Uiramutã. Localizada a 310 km da capital, Boa Vista, a cidade tem como principal fonte de renda o agronegócio e a produção da agricultura familiar.

Além de Gusttavo Lima, se apresentam na festa a dupla César Menotti e Fabiano, contratados por R$ 150 mil, e a cantora Solange Almeida, com cachê de R$ 108 mil. Ao todo, foram gastos R$ 1,05 milhão apenas em cachê de artistas.

Em edições passadas, a vaquejada recebeu nomes como Rick e Renner, Gian e Giovani e Wanderley Andrade. A contratação de Gusttavo Lima é alvo de investigação pelo Ministério Público.

Recentemente, três shows de Gusttavo Lima em cidades do interior do Brasil - São Luiz, Magé (RJ) e Conceição do Mato Dentro (MG) - viraram alvo de discussões sobre a origem do dinheiro pago por prefeituras a cantores sertanejos. Lima é um dos cantores com maiores cachês revelados até agora.

A contratação de cantores por pequenas cidades do país entrou em discussão após o sertanejo Zé Neto criticar a lei e "alfinetar" a cantora Anitta em um show que custou R$ 400 mil à prefeitura de Sorriso (MT).

Nesta segunda-feira, o cantor fez uma live afirmando que "não compactua com dinheiro público" e que está "a ponto de jogar a toalha".

O show de Gusttavo Lima custará 76,85% mais do que o orçamento destinado para o transporte escolar, merenda e vigilância sanitária em 2022, em São Luiz. Somados, os valores para estas ações chegam a R$ 185,2 mil — quatro vezes menos o cachê do "embaixador".

Trecho não asfaltado em estrada de São Luiz, Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

'Estrela do Sul de Roraima'

"Estrela do Sul de Roraima / Lugar de beleza e de floresta / São Luiz das castanheiras / Muito rio, muita vida, muita festa".

As festas de São Luiz estão presentes até no hino do município, como cita o trecho acima. Antes, a cidade era conhecida como "São Luiz do Anauá", uma homenagem ao igarapé São Luiz e ao rio Anauá, que cortam a região. Hoje, o rio já não faz mais parte do nome.

Quem chega à cidade não encontra nada chamativo. Não há portal, não há aviso, não há monumento. Apenas uma discreta placa informando que a partir daquele ponto, na rodovia BR-210, começa o perímetro urbano do município.

A entrada da cidade é marcada pela passagem do poluído igarapé São Luiz . Num primeiro momento, um imprevisto: a ponte que passa pelo igarapé cedeu e, por isso, um desvio com uma outra ponte de madeira improvisada foi feito para os motoristas, saindo da rodovia e entrando em área de mata ciliar.

Ponte sobre o igarapé São Luiz, que dá nome ao município, rompeu e é preciso fazer um desvio — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

O Parque de Vaquejada, onde Gusttavo Lima e os demais cantores vão se apresentar, também fica logo na entrada da cidade, em frente à rodovia, como um cartão de visita. No espaço, repleto de lama, capim e pintura desgastada, uma placa informa que a prefeitura de São Luiz "está trabalhando".

Entrada do Parque de Vaquejada em São Luiz, onde Gusttavo Lima irá cantar — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Do lado de fora, por trás do portão trancado com cadeado, é possível ver o palco que receberá o sertanejo dono de um dos maiores cachês do Brasil que, no momento, serve para guardar enfeites do Natal passado.

Ao g1, o prefeito da cidade, James Batista (SD), informou que "tudo será remodelado, tanto a entrada da cidade, como o parque". Disse ainda que o planejamento para receber o público "será divulgado em breve".

Placa em frente ao Parque Vaquejada informa que a prefeitura está trabalhando no local — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Em frente ao Parque de Vaquejada, a música alta vinda de bares lotados em plena luz do dia chama atenção de quem passa. Há também um bordel conhecido pelos moradores como "Mineiro", embora não tenha nenhum nome na fachada do local. A única placa nas proximidades é a de obras da prefeitura.

Dentro do "Mineiro", cerca de cinco mulheres dançavam como quem comemora algo. Elas eram todas venezuelanas e estavam havia pouco tempo na cidade. Se denominavam "damas de companhia" e disseram ser trabalhadoras do bordel.

Meninas venezuelanas dançam em frente ao Parque de Vaquejada, próximo à uma placa de obras da prefeitura, na entrada de São Luiz — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Uma delas, maquiada, com batom e cílios postiços, se identificou como Saret La Morena, de 45 anos. Recém-chegada, estava há apenas dois meses em São Luiz, onde chegou em busca de uma vida melhor, longe da crise econômica da Venezuela.

Ela disse estar empolgada para o show de Gusttavo Lima e, embora não conheça muito bem o sertanejo e seus hits, "ouviu dizer" que o cantor é "extremamente famoso" no Brasil e, por isso, também está ansiosa pela festa.

"Não conheço muito bem a cidade ainda. Trabalho aqui. Desde que anunciou o show do Gusttavo Lima, notei que todos estão com as expectativas muito altas. Inclusive, as meninas estão todas muito empolgadas. Vai ser uma grande festa".

"O que as meninas estão falando aqui é que, no período do evento, vão inclusive aumentar o preço de tudo aqui no bordel. Acho que vai ser algo positivo", avalia Saret La Morena.

Saret La Morena, em um bordel na entrada da cidade de São Luiz, Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Percorridos cerca de 4 km na rodovia, o perímetro urbano da cidade acaba. Ao final, a praça central do município carrega o nome da cidade em um letreiro acompanhado de um coração vermelho. Homens trabalham na manutenção da praça cortando a grama e cuidando das flores.

Nos arredores, restos dos enfeites do Natal passado, como anjos e a casinha do Papai Noel, ainda decoram o ambiente. Há também um chafariz no meio da praça.

Praça Central de São Luiz, onde há um letreiro com o nome da cidade — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Percorrendo a cidade, é possível ver inúmeros buracos nas ruas, esgoto a céu aberto e vias completamente alagadas pelas chuvas em todo o perímetro urbano.

Vala aberta em rua no perímetro urbano de São Luiz, Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Três escolas

São Luiz tem três escolas municipais. Em um vídeo publicado pelo prefeito James nas redes sociais, ele afirmou que "os alunos da rede municipal não têm lanche, têm refeição".

Na maior escola do município, a Senador Hélio Campos, há cerca de 720 alunos e um novo bloco está em construção. O vice-gestor da escola, Ednilson Vieira, conta na escola, diz que "não falta nada."

"Os alunos são da sede e das vicinais, que chegam aqui pelo transporte fornecido pela prefeitura. Aqui nós temos a nutricionista que prepara o cardápio e são servidas duas refeições: uma pela manhã e outra pela tarde. Realmente não é merenda escolar, é refeição. Todo dia tem um cardápio diferenciado. O cardápio nunca é repetitivo, sempre é diversificado", disse.

Escola Municipal Senador Hélio Campos, a maior escola do município de São Luiz, em Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR


Não há dados sobre o total de alunos matriculados no portal da transparência da prefeitura: o prefeito disse que todas as informações serão divulgadas nesta sexta-feira (3).

O cardápio fica disponível na parede do refeitório da escola e é dividido por semanas e meses. Entre as especialidades da casa há sopa nutritiva, Maria Isabel de carne e até risoto de frango. A escola tem uma quadra de esportes. Na avaliação do vice-gestor, a estrutura "não deixa a desejar em nada".

"Nosso espaço físico é bom, até o presente momento não tem faltado material, não falta merenda. Nós estamos sendo bem atendidos. Nossa estrutura é boa, o quadro de profissionais está completo, não falta nada. A escola Hélio Campos está organizada", pontuou ele.

Duas Unidades Básicas de Saúde

O município tem duas Unidades Básicas de Saúde (UBS), uma na sede e outra na vila Moderna. A UBS Regina Ribeiro Paiva atende os munícipes que vivem na sede.

A reportagem visitou a unidade e tentou conversar com a diretora. Quando perguntada sobre a disponibilidade de remédios e a capacidade em atender a população, ela se negou a responder qualquer tipo de pergunta, repetindo "falem com o prefeito" a cada questionamento.

Unidade Básica de Saúde Regina Ribeiro Paiva, em São Luiz, Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Opiniões divididas

Fachada da Câmara dos Vereadores de São Luiz, Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Em frente ao posto, está localizada a Câmara de Vereadores. Com marcas do tempo, paredes descascando e a pintura com azul desbotado, o que se destaca na fachada do prédio é um grafite com a pergunta "o que fizeram da poesia?".

"O que fizeram da poesia?" diz pichação em muro da Câmara dos Vereadores em São Luiz, Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

A reportagem não conseguiu contato com o presidente da Câmara, mas conversou com um dos vereadores da cidade, Júnior Rodrigues (União Brasil). Ele contou que toda cidade foi pega de surpresa com o anúncio do evento, até os próprios vereadores, mas que o clima é de empolgação.

"Os moradores estão ansiosos com esse evento. Na verdade, fomos todos pegos de surpresa com a divulgação de um vídeo do prefeito anunciando que na vaquejada de 2022 iria ter o Gusttavo Lima. Uns acreditavam, outros não. Tivemos a certeza quando foi divulgado no Diário Oficial a efetivação do contrato".

O vereador também analisa que as opiniões são divididas entre os moradores. Uns aprovam e outros reprovam a contratação do sertanejo para tocar na menor cidade de Roraima. Segundo ele, a população, que é de maioria evangélica, é contra a realização do show.

"Nós, como representantes legais do povo, temos contato diariamente com a população e podemos perceber que as opiniões divergem. Por um lado, temos muitas pessoas ansiosas pelo show e, por outro, temos as pessoas mais conservadoras, que acham o orçamento pequeno em proporção ao valor do show. Também temos os evangélicos que, em sua maioria, discordam dessa ideia".

"São Luiz é uma cidade pequena, porém acolhedora. O Ministério Público está investigando a origem do dinheiro e a relevância para a população desse investimento. O contrato está assinado. Qualquer que seja a decisão, estão todos convidados para a nossa vaquejada que, como é de tradição, vai ser realizada com ou sem o Gusttavo Lima", afirmou.

Na prefeitura da cidade está o único caixa eletrônico do município e, por isso, uma fila sempre se forma na calçada do prédio. Quando o g1 esteve no local, o prefeito não estava na cidade, havia viajado para Brasília. A chefe de gabinete atendeu a equipe, mas informou que só poderia passar informações com o aval de James.

''Estamos esperando o show'

"Acho que na verdade essa polêmica não tem nada a ver com a nossa cidade, mas, sim, com os sertanejos que foram falar da outra cantora que está muito famosa no mundo inteiro. Problema é deles, mas nós aqui estamos esperando o show". A opinião é da comerciante Mary Ivone Correia, de 50 anos. Ela tem um comércio que vende produtos alimentícios, de limpeza e variedades, numa das principais ruas da cidade.

No estabelecimento, chamada Mercearia Carvalho, tocava o hit "Ficha Limpa", de Gusttavo Lima. Mary Ivone está empolgada para o show e para o evento. Ela espera uma cidade lotada durante a vaquejada.

"A gente está esperando receber muitas pessoas aqui na cidade. Vai ser um período muito bom para nós, comerciantes, pois vai movimentar o comércio. Acredito que vai ser um evento muito bom e positivo", afirma ela, com empolgação.

Mary Ivone já está planejando como vai atender a alta demanda no período do evento. Ela diz que a prioridade será investir em produtos alimentícios e de fácil preparo, como lanches.

"Os projetos que estamos fazendo para os dias da vaquejada são de investir muito em comida, comprando muito lanche para alimentar o turista. Vou investir mais em queijo fatiado, salsicha, coisinhas desse tipo".

"Imagino que nossa cidade vai estar lotada, muita gente. Acho que os comerciantes vão vender muito bem. Todas as casas aqui, pessoas que tem algum quartinho disponível, vai estar tudo lotado. Nós estamos próximos de três cidades, então, eu acho que não tem por que ficar fazendo toda essa confusão", opina.

Já Genete Rodrigues, de 53 anos, não tem um plano para atender as demandas durante o evento. Ela é dona de um dos três restaurantes da cidade, o Restaurante São Luiz, especializado em marmitas. Para ela, tudo será feito na "medida do possível".

"Ainda não tenho planos de como vou fazer aqui no restaurante, vamos tentar atender como podemos. Eu sei que tem muita gente investindo, abrindo comércios e tal, o pessoal tá construindo casa, apartamento. Eu tô investindo também, aqui no restaurante eu tô mexendo em uma coisinha ali, outra aqui, mas nada muito grande. Vou fazer tudo na medida do possível", conta.

O que ela tem em mente é ampliar a equipe que atua trabalha no restaurante. "O que sei é que vamos atender conforme for chegando as pessoas, eu vou ter mais gente trabalhando aqui comigo e assim vamos seguindo".

Ela entende que o show dos artistas na vaquejada será algo positivo para a cidade e demonstra empolgação, pois vislumbra o lucro.

"Tenho certeza que vai dar muita gente na cidade e eu vejo que o pessoal está investindo muito nas coisas aqui".

"Acho que a cidade tem condição de fazer esse evento sim. Quem não tiver lugar pra ficar dorme dentro do carro, em cidades vizinhas e vai indo, para tudo tem um jeito".

A comerciante Greisi Gil, de 27 anos, dona de uma loja especializada em bonés, chapéus e guarda-chuvas, vai trabalhar como ambulante na vaquejada. Ela avalia como um bom momento para ampliar os lucros.

"Para mim, como comerciante, vai ser algo muito bom, vai ser algo incrível, na verdade. Pretendo vender muito mais do que eu vendo no dia a dia aqui. Vou vender lá dentro do evento o que eu vendo aqui na minha lojinha, no caso chapéu, boné, guarda-chuva".

Agora, embora espere boas vendas, a dúvida dela é se São Luiz vai comportar tantos turistas.

"Não me programei ainda, depende de muitos fatores. Eu mesmo não vou preparar nada especial para o dia do evento, não tenho plano algum. Acho que vai ser difícil lidar com 100 mil pessoas, não sei se a cidade vai dar conta".

O autônomo Paulo Rodrigues, de 48 anos, que planta verduras e legumes para venda, é contra a realização da festa por entender que a cidade tem outras questões urgentes que deveriam ser priorizadas pela prefeitura.

"O plano de contratar o 'melhor cantor do Brasil' para tocar aqui, de primeiro momento, é muito bom pois é uma grande festa e todo mundo gosta de festa. Mas, no decorrer das coisas, a gente vai raciocinando conforme o equilíbrio da cidade. Tem a economia? Será que a gestão está fazendo um bom trabalho? Será que São Luiz suporta? São perguntas que a gente faz. Aqui tem muita coisa a desejar".

"Existem obras inacabadas, pessoas que dependem da renda familiar, 800 metros de estrada precisando de restauração e o prefeito nunca fez a magia que ele tá fazendo pra trazer esses cantores", critica.

O autônomo Paulo Rodrigues se declarou contra o show de Gusttavo Lima em São Luiz, Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Para Paulo, o ideal seria que a prefeitura desse estrutura para todos os moradores de São Luiz antes de investir em grandes festas.

"A gente espera de um gestor, antes de criar um projeto grandioso desses, que pelo menos desse estrutura para todos os moradores de São Luiz. Essa é minha expectativa. Eu acredito que festas são boas para o município, mas desde que esteja no equilíbrio".

Avenida Ataliba Gomes, principal área comercial da sede de São Luiz, Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR


Fonte: G1


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