Conheça as 'dark kitchens', galpões de cozinha de delivery

Corredor de cozinhas na dark kitchen do Butantã: cada restaurante tem sua sala separada, assim como as contas de água e gás — Foto: Divulgação

As dark kitchens, também conhecidas como "cozinhas fantasmas", se estabeleceram na cidade de São Paulo com a pandemia de Covid-19 e, por não servirem refeições e estarem restritas ao delivery, se tornaram um modelo de negócio interessante para os restaurantes - que tiveram os salões fechados para cumprir as regras de isolamento social.

Restaurantes ouvidos pelo g1 contaram que o modelo de negócio ajudou a manter o funcionamento durante a pandemia, quando 12 mil estabelecimentos fecharam as portas só na capital paulista.

Porém, por ter porte industrial, esses galpões não foram bem recebidos por todos e acabaram virando um pesadelo para vizinhos e, em alguns casos, entregadores.

Há reclamações em vários bairros residenciais da cidade: barulho comparado a uma turbina de avião durante 20 horas por dia, gordura impregnada nas roupas no varal, odores vindos das coifas que causam ânsia de vômito e o aumento do trânsito de entregadores são algumas das críticas de paulistanos que moram no entorno desses espaços, conforme mostrado pelo g1.

Já os motoboys reclamam da falta de estrutura encontrada na maioria desses locais: falta de banheiro, cara feia quando algum entregador pede água, falta de local apropriado para aguardar o pedido e carregar o celular.

Numa tentativa de reduzir essas queixas, a Prefeitura de São Paulo enviou à Câmara Municipal nesta semana um projeto de lei que pretende regulamentar o funcionamento desses galpões que reúnem dezenas de cozinhas compartilhadas.

A proposta enviada pela gestão municipal prevê, por exemplo, a proibição de operação dessas cozinhas durante a madrugada, entre 1h e 5h, a menos que providenciem adequação acústica e não gerem incômodo.

Cozinha de restaurante em operação dentro de uma dark kitchen — Foto: Divulgação

Mas como funcionam esses espaços por dentro? Por que muitos restaurantes têm investido no modelo de negócios? Para entender melhor esses pontos, o g1 visitou duas dark kitchens, uma na Lapa e outra no Butantã, na Zona Oeste da capital. Foi a primeira vez que a imprensa pôde entrar nesses galpões.

A empresa responsável pelos dois pontos visitados é a Kitchen Central, braço brasileiro da global CloudKitchen. Não foi permitido fotografar os ambientes, mas a empresa divulgou imagens e concedeu entrevistas com representantes de restaurantes que atuam nesses locais.


A visita

Na Lapa, são 35 cozinhas de estabelecimentos diferentes em operação compartilhada. Cada uma delas ocupa uma sala com pelo menos um fogão industrial, uma coifa e um refrigerador. Cada cozinha é separada como se fosse uma sala individual, que tem sua conta de gás, água e energia separadas.

Parte da operacionalização do pedido é automatizada. Desde o momento em que é feito pelo cliente e confirmado pelo restaurante até quando a comida já pronta chega a uma sala central, onde é despachada pelos "runners", funcionários da dark kitchen, para o motoboy que vai fazer a entrega para o consumidor.

Como as cozinhas ocupam um espaço relativamente pequeno, é importante que o estoque de suprimentos não ocupe muito espaço. Isso também é controlado pela administração da dark kitchen, assim como o relacionamento com os motoboys.

Uma das reclamações dos moradores é quanto ao aumento de pragas e o risco de incêndio por conta do lixo. No caso da Kitchen Central, uma solução encontrada para evitar isso foi criar uma área específica no interior das unidades para reunir todos os resíduos e, em dia e horário específicos, uma empresa contratada retira o lixo no estabelecimento, para que não fique na rua.

Na unidade da Lapa, há uma geladeira nesta sala central, onde ficam sobremesas. Este é todo o espaço ocupado pelo restaurante responsável por aqueles doces. Dali as sobremesas são despachadas para a entrega pelos funcionários da dark kitchen quando o cliente faz um pedido. Nesse caso, o restaurante não possui nenhum funcionário atuando no local.

Uma desvantagem das dark kitchen apontada pelos entrevistados é o alto custo do aluguel. A locação de 30 metros quadrados, por exemplo, pode custar R$ 5 mil por mês, além das despesas de gás, água, luz e vigilância. Em alguns casos, há uma taxa de 1% sobre o faturamento bruto do negócio.

“A grande vantagem é poder focar na cozinha. Não precisamos nos preocupar com outras demandas típicas de um restaurante físico, como a infraestrutura, relação com os entregadores”, afirma Pedro Dorico, sócio do restaurante Boteco Argentino.

A simplicidade da operação é apontada como um outro fator positivo para a decisão de operar em dark kitchens, segundo o empresário.

O Boteco Argentino abriu sua primeira unidade em 2016 no Ipiranga, na Zona Sul, com pratos e experiências temáticas do Uruguai e da Argentina.

Desde 2019, os administradores passaram a investir na expansão para novas regiões e priorizaram o delivery. Em 2020, com a pandemia, iniciaram a operação em dark kitchen.

“As dark kitchens nos trouxeram um retorno tão positivo que hoje toda a nossa estratégia de crescimento é baseada neste modelo. O plano para 2022 é abrir pelo menos mais uma unidade de dark kitchen e em seguida aumentar nosso alcance para outras cidades”, afirma o empresário.

Atualmente o Boteco Argentino tem duas lojas, no Ipiranga e em Perdizes, na Zona Oeste, e duas cozinhas em dark kitchens, no Brooklin e em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. Mas, durante a pandemia, foi o delivery o responsável por manter o negócio de pé.

Fachada de uma dark kitchen na Zona Sul da capital — Foto: Divulgação

Comportamento do cliente

A pandemia de Covid-19 fez com que os restaurantes investissem no delivery e, mesmo após o arrefecimento das restrições de funcionamento, o modelo de negócio ganhou o gosto da clientela e deve permanecer como uma fatia importante do faturamento dos empresários.

Quase quatro a cada cinco restaurantes atende seus clientes por delivery, de acordo com dados de abril de 2022 da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). O número representa 78% dos estabelecimentos brasileiros. Desses, 35% passaram a ter delivery durante a pandemia.

É o caso do restaurante de comida árabe Barakah. Inaugurado em 2011, o negócio tinha apenas unidades físicas. O delivery entrou nos planos da sócia e diretora-executiva Raquel Junqueira Franco só em 2020.

“A pandemia antecipou nosso projeto de delivery. Nossa operação presencial sempre foi um grande sucesso com nossas casas sempre lotadas e novos clientes todos os dias. O cenário perfeito por um lado, mas por outro nos restava pouco espaço para planejar e desenvolver a operação delivery”, afirma.

De acordo com Franco, após começar a atender os clientes via delivery em duas lojas físicas, ela passou a buscar alternativas para ampliar o raio de ação e apostou nas dark kitchens.

“A estrutura de dark kitchens se casava perfeitamente com nossas necessidades. A nova operação delivery, em especial com a aquisição de dark kitchens, foi essencial para a sustentabilidade do negócio, ajudando também na manutenção dos cargos de nossos colaboradores. Uma unidade de dark kitchen pode faturar até 50% em relação a uma loja física”, afirma.



Área para entregadores pegarem o pedido em dark kitchen — Foto: Divulgação

Atualmente o Barakah tem seis lojas físicas e duas cozinhas em dark kitchens.

“Uma das principais vantagens é a estrutura pronta das cozinhas. Quando fazemos obra para iniciar um restaurante existe uma série de modelos específicos, como eletricidade, gás, hidráulica, esgoto para suportar o dia a dia de produção intensiva. Além de outros apoios da rotina, como armazenamento e descarte de resíduos, estrutura de exaustão etc. Uma dark kitchen oferece todos esses serviços com tecnologia e praticidade”, afirma.

A empresária também cita a facilidade com as demandas burocráticas, seja com a manutenção do espaço, o trabalho com os entregadores e o suporte, que inclui análise e orientação do cardápio por região e o controle de venda e prospecção.

Mesmo restaurantes que já apostavam no delivery antes da pandemia conseguiram crescer nesse período graças à operação em dark kitchens. É o caso do restaurante Da Mata Salada, que não tem salão aberto e só opera via delivery desde 2017. Atualmente, o grupo opera em quatro dark kitchens espalhadas pela cidade e na região metropolitana, de acordo com Caio Ciampolini, CEO da empresa.

“Com a pandemia, houve um aceleramento nas vendas por delivery. Com isso, passamos a atingir um novo público, as pessoas de mais idade, que antes não utilizavam aplicativos para delivery. Antes da pandemia, o nosso principal público era o jovem”, afirma Ciampolini.

Ciampolini afirma que, de abril a agosto de 2021, no período de restrições de funcionamento, houve uma estabilização na demanda do restaurante, mas que a partir de setembro de 2021, eles voltaram a crescer bastante. O grupo vende saladas, sopas e pokes.

“O modelo de negócios de delivery foi o melhor caminho neste período de pandemia. Estamos chegando próximo ao R$ 1 milhão de faturamento por mês para o nosso grupo. Até o final de 2023, temos o plano de consolidar a presença em São Paulo, com oito dark kitchens de cada marca na grande São Paulo. Depois expandir para outros municípios, como São Bernardo do Campo.”

Fonte: G1



Postagem Anterior Próxima Postagem