Tatuagens coloridas têm risco? Entenda veto a tipos de tintas na Europa e qual a regra no Brasil

A tatuadora e body piercer Bea Pumpkin é especializada em desenhos de animes. — Foto: Arquivo Pessoal

A tatuadora Bea Pumpkin, brasileira que mora em Portugal, ganhou uma nova preocupação no início deste ano, quando a agência reguladora da União Europeia baniu de circulação diversos tipos de tintas para tatuagem. A decisão foi tomada devido a possíveis riscos para a saúde, como mutações no DNA, câncer e dificuldade reprodutiva.

Especialista em desenhar personagens de animes, a jovem de 29 anos conta que os profissionais dedicados aos desenhos coloridos viram o preço de algumas tintas dobrar. No caso de Bea, as tattoos mais coloridas não são as principais, o que fez o impacto no orçamento ser menor.

"A maior preocupação no início era saber quanto tempo teríamos de adaptação e quanto o valor da tinta iria subir. Quando isso foi decidido, já tinha a Covid, o que fez aumentar o preço do material como um todo. No fim, isso reduziu nosso número de possibilidades de marcas, mas se vem para melhorar, é ótimo. Assim melhoramos a reputação do nosso trabalho, visto como marginalizado, e nossos tabus na indústria", relata.

Em vigor desde 4 de janeiro, a decisão do REACH (Registration, Evaluation and Authorization of Chemicals) restringe pigmentos que contenham em sua composição mercúrio, níquel, cromo, cobalto, metanol, certos corantes vermelhos, laranja, amarelo, violeta e azul.

A nova medida impõe um limite de concentração para determinadas substâncias, como certos corantes azóicos e aminas aromáticas carcinogênicas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs), metais e metanol.

“A saúde e o bem-estar dos nossos cidadãos são nossa prioridade. Além de alergias e problemas de pele, os produtos químicos tóxicos encontrados nas tintas de tatuagem podem causar outros efeitos adversos à saúde, como o câncer. A tatuagem é cada vez mais popular na Europa. É por isso que é urgente que regulemos esses produtos químicos agora”, declarou em comunicado o comissário europeu para o meio ambiente, Virginijus Sinkevičius.

Medida 'excessivamente cautelosa'

Para Julio Ponce, professor de Toxicologia e ciências forenses na University of Winchester, a medida é excessivamente cautelosa, antecipando possíveis problemas de saúde que as tintas podem ocasionar, sem haver de fato uma comprovação.

"Algumas substâncias são 'potencialmente carcinogênicas', que é uma classificação que indica que não há evidências o suficiente para afirmar que de fato há relação com o câncer, mas que ainda estão sob investigação. Por excesso de cautela e pelo fato de que a inserção dos pigmentos é feita de forma agressiva, para inseri-los na segunda camada da pele, escolheram proibir sob a justificativa de que há uma alternativa melhor", contextualiza.

Ponce diz que a presença dessas substâncias nos níveis em que eram estabelecidos antes pode ter uma correlação maior de incidência de efeitos adversos, como alergia de contato e dermatite, mas é difícil dizer ao certo. Isso porque a tinta é um conjunto de substâncias. "Pigmento, estabilizantes, neutralizantes, alumínio ferro calcio titânio, cádmio... e todos eles, por serem injetados diretamente na pele, podem levar a uma inflamação cutânea", explica o professor.

E no Brasil?

A proposta da mudança visa conseguir pigmentos que sejam mais biocompatíveis, eliminando substâncias potencialmente danosas para o organismo. "Existem pigmentos mais seguros, e a União Europeia busca convencer a população disso de maneira mais impositiva, mas sem acabar com a cultura da tatuagem." Mas e no Brasil?

Em nota, a Anvisa informou que não possui uma lista com pigmentos proibidos para tatuagem, mas tem acompanhado as discussões mundiais sobre o tema.

De acordo com a agência, as tintas para tatuagem devem atender ao disposto no Art. 7º da Resolução 553/2021, que estabelece a demonstração de segurança e eficácia dos produtos implantáveis, apresentados por meio de relatórios de avaliação biológica, revisão de literatura e relatório de gerenciamento de risco.

"Ainda, caso a avaliação biológica tenha por conclusão a necessidade de realização de testes de biocompatibilidade, deverão ser apresentados os relatórios desses respectivos testes. Lembramos, também, que o fabricante precisa estar regularizado quanto às Boas Práticas de Fabricação (BPF)."

Assim, espera-se que as avaliações e ensaios previstos na norma comprovem que o produto seja biocompatível.

Na análise de Ponce, é possível que, com o passar do tempo, a regulamentação mude também em outros países além da União Europeia.

"Pela força dos assuntos regulatórios isso pode criar uma tendência, um alerta. Como a regra passou a valer agora em janeiro, já deve existir algum grupo para estudar se houve impacto na questão de saúde. Se perceberem que diminuiu algum efeito indesejado, mesmo que seja apenas reações exacerbadas ao pigmento (alergias), é capaz que outros países sigam sim [a mudança]. Quando uma agência europeia ou americana toma a frente de certo assunto, cria-se um tubo de ensaio para observar o que vai acontecer. Com resultados positivos, a tendência é outros países também se adequarem", afirma.

Inimigos do fim

O trabalho de Jordana Lara, 33 anos, é uma explosão de cores. Natural de Goiânia, ela vive em Grenoble, na França, há pouco mais de dois anos e trabalha como tatuadora há oito. Ela conta que está apreensiva com a durabilidade das novas tintas, uma vez que ainda não há como prever qual será o resultado a longo prazo da nova formulação.

Para ela, a mudança "não faz muito sentido". "Tem substâncias na tinta que podem ser cancerígenas, mas não tem nada que prove uma relação entre os dois", comenta.

O trabalho de Jordana Lara se baseia em realismo colorido, bordados e aquarela. — Foto: Arquivo Pessoal

Algumas marcas americanas já desenvolveram novas formulações para atender a mudança da regulamentação e assim serem revendidas na União Europeia. No entanto, a tatuadora ressalta que já sabe que nem todo mundo vai aderir às novas regras.

"Conheço quem segue usando tintas antigas e vai continuar. É mais difícil de encontrar, mas vão continuar usando. Para eu encontrar as tintas que eu gostava foram anos experimentando tipos diferentes. Por exemplo: gosto mais de um vermelho de uma marca e o azul de outra. Quando você cria o hábito com uma tinta, não quer trocar porque isso pode interferir no seu trabalho", disse. Apesar da resistência, ela já está se adaptando ao exigido, já que a saúde de todos está em jogo.

O assunto é estudado desde 2015, e apesar de a regulamentação ser válida desde janeiro, foi estendido o prazo de utilização de tintas específicas, a azul ftalocianina (Pigmento Azul 15:3) e a verde ftalocianina (Pigmento Verde 7). A decisão foi tomada por ainda não existir para essas cores formulações alternativas que respeitem os novos parâmetros. A data limite é 4 de janeiro de 2023.

Fonte: G1


Postagem Anterior Próxima Postagem