Atrizes brasileiras são humilhadas e levam calote de espetáculo em Portugal

Nina Morena, filha de Nelson Motta e Marília Pêra, enfrentou depressão com ruína da montagem Drag Taste, que deixou artistas sem pagamento. Deputada questiona o governo

Nina Morena em cena no Drag Taste em Lisboa Zoe Dorey/Divulgação

"O trabalho dos sonhos virou pesadelo". É a frase que a atriz brasileira Nina Morena encontrou para descrever sua participação na Drag Taste, em Lisboa.

Quando aceitou fazer a Ms. Complicated, a filha do escritor Nelson Motta e da atriz Marília Pêra sequer desconfiava que o espetáculo seria tão complicado.

Ela vive em Lisboa desde 2019 e em abril deste ano começou sua participação na montagem que uniu teatro e gastronomia na capital. Uma produção que empregou outros brasileiros além dela.

No acordo de prestação de serviços encaminhado pela empresa por e-mail e enviado por Nina Morena ao blog, estavam previstos seis meses de trabalho com remuneração mensal de € 1 mil (R$ 5,4 mil).

E-mail com o acordo de trabalho enviado por Nina Morena — Foto: Reprodução

Para chegar ao valor, seriam necessários 32 espetáculos mensais com o cachê unitário de € 32,25 (R$ 175). Segundo Morena disse ao blog, o primeiro problema foi o cancelamento da maioria das datas pelo idealizador do projeto e fundador da marca, Pedro Pico. Fato que reduziu drasticamente os pagamentos.

— Ele foi cancelando, porque foi ficando bêbado e dando problema. Mas sempre tinha público, porque ele é talentoso, mas mau caráter. Tanto que há inúmeras reclamações de pessoas sem reembolso e funcionários sem pagamento. Ele foi se enrolando — disse Morena.

A atriz pegou Covid-19 em julho e se afastou por uma semana. E conta que Pico sumiu naquele período. Foi quando Morena recebeu uma ligação da produção para substituí-lo em cena:

— Na véspera de eu voltar, disseram que ele estava desaparecido e perguntaram se eu poderia fazer o papel dele. Foi um Deus nos acuda, porque eu não sou drag queen e estava saindo da Covid. Foi difícil, mas fiz uma noite. Só não me senti segura para fazer a segunda vez, como eles queriam.

Foi quando surgiu o segundo problema. Morena conta que Pico soube do episódio e ligou para ela.

— Completamente bêbado, me humilhou e falou coisas horrorosas e me culpou por afundar a Drag Taste. No dia seguinte, fiz o meu papel e ele ligou para me xingar de puta para baixo, manipulando, falando que eu era a responsável por destruir tudo, deixando todos desempregados. Foi pesado e fiquei deprimida três meses, sem conseguir trabalhar, enquanto ele fechava a Drag Taste e deixava trinta desempregados sem pagamento — declarou Morena.

Ao todo, Morena lembra de ter feito poucos espetáculos e, na soma do valor unitário por data encenada, faltou receber € 62,5:

— Meu valor ficou baixo porque era para fazer espetáculos de sexta a domingo, que foram cancelados. E os demais ele foi pagando. Mas não é pelo dinheiro, é porque ele só não me pagou porque ele achou que eu era uma puta e que não tinha que pagar. Ele disse que era para ir na Drag Taste e pegar coisas e vender. E as pessoas na rua sem dinheiro para pagar o aluguel ou comprar comida. Tem gente da equipe para quem ele deve € 4 mil, € 3 mil ou € 1,5 mil.

A drag queen brasileira Paolle Santos é professora, atriz e bailarina. Licenciada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, faz mestrado de Artes Cênicas na Universidade Nova de Lisboa e estava presente nos bastidores quando Pico ligou para Morena.

— Tentamos entender e acalmá-la. Foi horrível. Ela, pós-Covid, fez o papel dele no espetáculo (...) Quando (Pedro) aparecia, estava fisicamente alterado, cheirando a álcool e agressivo. O espetáculo acabou, todos foram demitidos e sem aviso prévio — disse Santos.

Segundo Santos, Pico deve a ela € 4 mil (R$ 21 mil). Ele ainda quis recrutá-la para novo espetáculo, mas nunca teria aparecido nos ensaios. Quando foi buscar suas coisas nos bastidores, após acionar a polícia, um funcionário da casa teria sido xenófobo:

— Fomos em duas delegacias pedir apoio. Só depois de os policiais ligarem para o Pedro e para a mãe dele que ela apareceu. Fomos humilhadas, ela tirou fotos nossas, quis anotar no caderno o que estava sendo retirado. A policial disse que não era necessário, mas ela continuou. O funcionário dele foi xenófobo e pediu para eu e minha amiga voltar para o Brasil, alegando que Portugal não era nosso lugar. (...) Tentamos um diálogo com o Pedro outro dia. Depois de insistir muito, ele apareceu totalmente agressivo, gritando, colocando o dedo na nossa cara, expulsando a gente e dizendo estar sendo roubado.

Documento enviado pela deputada Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, ao Ministério da Cultura — Foto: Reprodução

O problema chegou ao governo. A deputada Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, enviou na quarta-feira um comunicado ao Ministério da Cultura e ao presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, do Partido Socialista. A parlamentar questiona se há conhecimento da situação, se a empresa Drag Taste recebeu recursos públicos e como a pasta apoiará os trabalhadores desempregados.

“O que parecia ser um fenômeno de sucesso se revelou um pesadelo para trabalhadores da cultura”, escreveu Mortágua, lembrando que Pico está “incontactável”.

O Portugal Giro enviou mensagem a Pico quando seu status no WhatsApp estava online, mas não recebeu resposta até o fechamento desta matéria. O blog também tentou fazer uma chamada telefônica, que não foi atendida. E os e-mails não foram respondidos.

Pico foi logo eliminado do Big Brother Famosos este ano em Portugal. Pesaram sobre ele as suspeitas de tratar mal os artistas e as denúncias de calote no pagamento de funcionários do projeto.

Fonte: O Globo

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