ORGULHO! Médica capixaba é a primeira brasileira a integrar programa da OMS contra a hanseníase


A médica alegrense Patrícia Deps, dermatologista e referência no combate à Hanseníase no Brasil, foi selecionada como membro na “WHO Technical Advisory Group-Leprosy control”, um programa da Organização Mundial da Saúde (OMS), no qual irá atuar entre os anos de 2022 e 2025.

A seleção da especialista, que tem pós-doutorado por universidades na Inglaterra e na França, foi feita a partir de um edital divulgado em julho deste ano, para a escolha de grandes profissionais ao redor do mundo. A divulgação do resultado foi realizada no último dia 6 de outubro.

“Contaram para o resultado minha experiência nos últimos 25 anos, basicamente. A seleção foi para fazer parte de um grupo consultivo para um programa da OMS cuja sede é em Nova Delhi, capital da Índia, no sudeste asiático. Lá eles têm o escritório de algumas doenças, entre elas a Hanseníase. Já fui convocada para a primeira reunião, que acontecerá entre os dias 17 e 18 de novembro”, iniciou.

A intenção, segundo a médica, é, utilizando todos os conhecimentos dos membros da comissão, definir os próximos passos de todo o programa mundial de combate ou controle da Hanseníase.

“Hoje ainda se fala em eliminação desta doença, já que alguns países conseguiram eliminar nos seus territórios. O Brasil ainda não, pelo contrário, somos o país com maior número de casos nas Américas e o segundo no mundo. O primeiro é a Índia, o terceiro é a Indonésia”, disse.

Histórico de pesquisa e importância da escolha da capixaba na ONU

Patrícia Deps conta, em seu currículo, com pelo menos 25 anos de estudo e trabalho com a Hanseníase, tendo sido o tema de doutorado e de suas pesquisas. Além disso, ela atua como orientadora aos alunos de mestrado e doutorado da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

A médica trabalha com várias equipes internacionais de pesquisa, como autora e co-autora em artigos científicos. A projeção internacional de seus estudos contribuiu para a nova oportunidade na OMS.

“É um reconhecimento muito importante para mim e para o Brasil. Eu, como membro da Sociedade Brasileira de Hansenologia e da Sociedade de Dermatologia, vou representar um bem para nossas sociedades científicas. Para a universidade isso também será de grande valor, já que sou docente titular e ter uma professora em um programa mundial é motivo de orgulho”, afirmou.

A importância para a sociedade como um todo é bastante relevante, segundo a dermatologista, já que a Hanseníase será pensada não como uma doença isolada, mas como uma questão que afeta as pessoas e que tem uma importância histórica muito grande.

“No Brasil tivemos uma forma trágica de tratar a Hanseníase, através de um método de segregação entre as décadas de 20 até 70 ou 80. Isso marcou muito a doença e as pessoas afetadas, assim como os seus descendentes e todos os familiares”, esclareceu.

O que é a Hanseníase?

De acordo com explicação de Deps, a Hanseníase é uma doença infectocontagiosa causada por duas micobactérias (Mycobacterium leprae e Mycobacterium lepromatosis) e tem forma de transmissão de pessoa para pessoa. Apesar de qualquer um ser passível de ser infectado, nem todos desenvolvem a doença.

“A forma primordial de contato é de uma pessoa doente com a forma multibacilar (mais de cinco lesões na pele), que não recebeu tratamento ainda. Ela expele, por meio das vias aéreas superiores, a micobactéria. A gente tem também nas Américas uma possível transmissão pelo meio ambiente, principalmente porque temos outro reservatório, que são os tatus. A doença pode ser prevenida principalmente através do tratamento precoce das pessoas que estão doentes”, esclareceu.

Segundo a médica, as pessoas que estão adoecidas precisam ter o diagnóstico precoce, buscando profissionais de saúde. Estes profissionais precisam de treinamento para reconhecer e iniciar o tratamento, que é feito com três medicamentos, em um período que pode variar de 6 a 12 meses.

A Hanseníase tem cura e na década de 90 já havia cobertura em todo o país utilizando o tratamento da poliquimioterapia.

Sobre o período de incubação, a dermatologista explica que pode ser de 3 a 7 anos, mas isso uma vez que a pessoa entra em contato com a micobactéria, caso seja alguém suscetível a contrair a doença, o que representa uma estimativa de 5 a 10% da população.

Incapacidades permanentes e o preconceito

A Hanseníase, quando não tratada, é muito incapacitante ao paciente, não apenas física, como emocional e socialmente falando. “Há todo um histórico social envolvido. É tão estigmatizante que precisamos trocar o nome aqui no Brasil, que era chamada de Lepra, para que os pacientes tivessem o estigma um pouco atenuado, e fossem menos discriminados, tanto os afetados quanto seus familiares”, afirmou Patrícia.

Para ela, é muito importante que quem for trabalhar com a doença diante da OMS, assim como ela, entenda isso. “Não dá para ver a doença só como uma alteração física causada por uma micobactéria. É preciso levar em conta que é uma infecção antiga e bíblica, que já lá no livro sagrado aos cristãos é tratada como uma doença que afeta pessoas impuras e pecadoras. Esse imaginário ainda permanece de alguma forma até hoje”, resumiu.

Covid diminuiu número de diagnósticos de Hanseníase

De acordo com a expert, o Brasil é endêmico em termos de Hanseníase e o mundo ainda tem mais de 130 países com a doença presente.

Um fator que tem preocupado a comunidade científica é que houve uma diminuição do número de diagnósticos, muito provavelmente, segundo ela, por conta também da situação da covid, em que as pessoas ficaram limitadas no acesso aos serviços de saúde.

“O diagnóstico foi menor em 2020 e 2021. Então usamos 2019 como base, em que tivemos mais de 200 mil casos novos no mundo e no Brasil estava na faixa de 30 mil casos novos. Temos uma expectativa um pouco ruim para essa década, já que não diagnosticamos e tratamos pacientes em 2020 e em 2021, e isso pode causar grande impacto. Podemos ter um número maior de casos, com pessoas que ficaram sem tratamento e transmitindo a doença por mais tempo”, afirmou a doutora.

Diante de todo esse cenário, a pós-doutora considera que a convocação para o programa da OMS é ainda mais importante. A comissão está sendo montada também para que haja um planejamento muito especial para esta década.

“Nós vínhamos mantendo uma queda do número de casos novos, com o tratamento eficaz, e temos essa expectativa de vermos os casos aumentando em todo o mundo. Temos que preparar o programa mundial de como vamos nos preparar para essa situação nessa década e os países trabalham de forma a seguir as orientações da OMS, então é muito importante que esse conselho consultivo tenha esse conhecimento da Hanseníase global, não só de um país ou outro”, finalizou.
Fonte: Folha Vitória


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