Clínicas brasileiras começam a tratar depressão e estresse pós-traumático com psicodélico

Infusão de cetamina ajuda a reduzir e até eliminar sintomas da depressão. Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Há anos, os psicodélicos são estudados como possíveis tratamentos para graves problemas de saúde mental, como depressão resistente e estresse pós-traumático. Nos EUA, há a expectativa de que, nos próximos dois anos, sejam aprovadas terapias que usam microdoses de psilocibina (princípio ativo dos "cogumelos mágicos") e MDMA (o ecstasy) para tratar as duas doenças, respectivamente. No Brasil, estes compostos só podem ser usados em estudos científicos controlados. No entanto, clínicas brasileiras já oferecem tratamentos com substância que provoca efeitos alucinógenos: a cetamina.

Substâncias são consideradas psicodélicas quando promovem alterações de sentido — intensificando o estado sensorial, por exemplo, gerando visões de formas e padrões geométricos coloridos — e de emoção — resgatando memórias afetivas do inconsciente.

A cetamina é um anestésico em uso desde a década de 1970. Apesar de não ser considerada uma substância psicodélica clássica, ela está classificada como um composto dissociativo, ou seja, é capaz de fazer com que os usuários se sintam fora de controle ou desconectados de seu corpo e do ambiente em que estão.

— Com o uso da substância anestésica, percebeu-se que ela tinha também um efeito positivo no humor — afirma Bruno Rasmussen, diretor-médico da Clínica Beneva, em São Paulo. — Estudos comprovaram essa melhora e hoje existem clínicas de cetamina aqui no Brasil e em vários lugares do mundo, principalmente nos Estados Unidos e Canadá, onde viraram uma grande onda. Esses ambientes recebem pacientes com diagnóstico de depressão resistente ao tratamento, ou seja, aqueles que já fizeram outros tratamentos, mas que para eles não funcionaram.

O paciente se submete sessões de infusão que duram aproximadamente 50 minutos, duas vezes por semana. A aplicação endovenosa de pequenas doses de cetamina deve ocorrer em clínicas especializadas ou em ambiente hospitalar, e sob supervisão de um médico anestesista. Além disso, o paciente deve estar com os sinais vitais monitorados, fazendo uso de oxímetro, tendo os batimentos cardíacos acompanhados e a pressão arterial aferida a cada dez minutos. Durante a sessão de infusão, o paciente pode apresentar aumento do ritmo cardíaco e de pressão arterial.

Existem muitas hipóteses para as causas da depressão. Uma delas é a teoria glutamatérgica, que propõe que o excesso de glutamato no cérebro causaria a doença. Esse aminoácido foi achado em excesso no cérebro de pessoas que morreram por suicídio ou após enfrentarem depressões severas. O glutamato é um neurotransmissor excitatório, que faz o neurônio mandar o impulso elétrico adiante.

— A cetamina funciona bloqueando o receptor do glutamato no cérebro, o NMDA. Ela provoca um desligamento temporário de alguns neurônios do hipocampo e permite o funcionamento normal de outros neurônios, os chamados neurônios piramidais, responsáveis, entre outras coisas, pelas nossas emoções. Além disso, ela promove a sinaptogênese, que é o crescimento das conexões entre os neurônios e, com isso, os sintomas de depressão reduzem e até desaparecem — explica Tiago Gil, diretor-médico do Centro de Cetamina, em São Paulo, e membro da Sociedade Americana de Cetamina (ASKP3).

O tratamento com cetamina também é um caminho para a prevenção do suicídio. Um estudo feito por pesquisadores de várias instituições americanas e publicado em setembro no Journal of Clinical Psychiatry apontou que metade dos voluntários que apresentavam ideação suicida no começo da pesquisa não a apresentava mais seis semanas após a realização de seis sessões de infusão. Metade das 424 pessoas com depressão resistente respondeu ao tratamento e 20% tiveram sintomas depressivos em remissão. As taxas de resposta e remissão foram de 72% e 38%, respectivamente, após 10 infusões, escreveram os pesquisadores no estudo.

Cada sessão custa, em média, entre R$ 1500 e R$ 2000 e, normalmente, são necessárias de seis a oito infusões, mas a quantidade exata só pode ser determinada pelo médico responsável pelo procedimento, após a avaliação do estado de saúde do paciente. Além de São Paulo, há clínicas oferecendo esse tratamento com cetamina para depressão resistente no Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.

Spray nasal

Em 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso de um spray nasal de escetamina — um derivado da cetamina — para o tratamento de depressão resistente. Este ano, o órgão emitiu uma resolução na qual determina que "a dispensação e o uso dos medicamentos contendo as substâncias cetamina e escetamina só serão permitidos em estabelecimentos de saúde”.

Além disso, o spray nasal deve ser “administrado em estabelecimentos de saúde sob observação de um profissional de saúde e o paciente deve ser monitorado até ser considerado clinicamente estável e pronto para deixar o estabelecimento”.

Um estudo feito por pesquisadores alemães, publicado em novembro na revista científica Journal of Psychiatric Research, comparou a eficácia antidepressiva da cetamina administrada via infusão e a escetamina em spray nasal.

A meta-análise — que avaliou onze pesquisas, compreendendo 1340 pacientes — concluiu que uma dose de cetamina ou escetamina está associada a uma chance seis vezes maior de resposta antidepressiva em 24 horas em comparação com o placebo. No entanto, devido ao pequeno número de estudos, os dados “não sugerem diferenças entre as duas vias de administração”, escreveram os pesquisadores no artigo.

Fonte:  O Globo


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