Entenda o que levou a Petrobras a perder R$ 30 bi em 24 horas

Edifício sede da Petrobras, na Avenida Chile, no Centro do Rio Gabriel Monteiro/Agência O Globo

A aprovação a toque de Caixa na Câmara de um projeto que facilita a indicação de políticos para estatais afetou o desempenho das principais empresas públicas com ações em Bolsa. Os papéis com voto da Petrobras despencaram 9,8%, e a petroleira perdeu em um único dia R$ 30 bilhões em valor de mercado, de acordo com levantamento de Einar Rivero, da plataforma TradeMap. Os papéis com voto do Banco do Brasil cederam 2,48%.

O desempenho contrasta com o da Bolsa, que encerrou o pregão com leve alta de 0,2%, depois que o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou seu compromisso com uma política fiscal responsável. Desde 21 de outubro, a Petrobras já perdeu quase uma Ambev em valor de mercado. No período, a petroleira “encolheu” em R$ 219 bilhões. A Ambev vale R$ 238 bilhões.

O projeto aprovado na Câmara reduz de 36 meses (três anos) para 30 dias a quarentena de indicados ao Conselho de Administração e para a diretoria de estatais que participaram da “estruturação e realização de campanha eleitoral”.

A mudança simplifica a entrada de Aloizio Mercadante no comando do BNDES, depois de ter atuado como coordenador de campanha de Lula. Especialistas na legislação ponderavam que seria necessário analisar a extensão do papel de Mercadante para discutir se haveria ou não algum impedimento legal.

Haddad quer reforçar CGU

O mercado financeiro teme qualquer sinal de enfraquecimento da legislação, criada na esteira do escândalo de corrupção na Petrobras e que é considerada um avanço na blindagem de empresas públicas contra ingerência política.

— A lei não blinda todas as ingerências, mas garante que quem for tocar a empresa tenha experiência no ramo, além de um mínimo de comprometimento e capacidade técnica. A insegurança do mercado é o risco de voltarmos a ter nomes não técnicas. As medidas aprovadas após a Lava-Jato diminuíam a possibilidade disso acontecer — avalia o economista da Valor Investimentos, Rodrigo Lan.

Além da percepção de risco de retrocesso, desagradou aos investidores a forma como as mudanças foram feitas, em razão da velocidade e do placar da votação (314 a favor e 66 contrários). Não é a primeira vez que se tenta modificar a legislação, que sempre esteve na mira do Centrão (leia mais no texto abaixo).

— Assusta porque a Lei das Estatais era algo que se pensava que seria difícil mudar, que teria desgaste político alto. Mas teve até deputado de esquerda votando a favor. É uma escolha que a sociedade fez, e o governo vai decidir para que lado as empresas vão. Se vai buscar aumentar seu retorno, como as empresas privadas, ou se vai usá-las para fazer políticas sociais — disse o chefe de pesquisas da Ativa Investimentos, Pedro Serra.

Na avaliação do Goldman Sachs, as mudanças reforçam o cenário de aumento de riscos envolvendo a Petrobras. “No curto prazo, o estatuto da Petrobras protege a empresa de intervenções nas suas políticas de preços e dividendos, mas no longo prazo a visibilidade permanece baixa por conta das incertezas sobre o encaminhamento do novo governo com a estratégia da companhia”, destacam os analistas do banco em relatório.

Em linha semelhante, os analistas do BTG Pactual ponderam que a lei não conseguiu proteger totalmente a estatal de interferências recentes, mas que a mudança é um sinal claro de que a estratégia da empresa pode ser menos apoiada por critérios técnicos a partir de agora.

Perguntado em entrevista sobre a Lei das Estatais, Haddad minimizou as mudanças, ressaltando que fiscalização e controle das empresas públicas são os aspectos mais importantes.

— Se você tiver compliance (estar em conformidade), se tiver controladoria, uma governança corporativa decente... Se você escolher um cara da carreira ou um cara de fora, que entenda do assunto, vai fazer pouca diferença — disse Haddad à GloboNews.

Proposta intermediária

O futuro ministro da Fazenda disse ainda que os órgãos de fiscalização devem ser reforçados no novo governo. Ele mencionou, por exemplo, que a Controladoria-Geral da União “passou por um desmantelamento” nos últimos anos e defendeu o fortalecimento do combate à corrupção.

Para entrar em vigor, o projeto de lei aprovado na Câmara ainda precisa tramitar no Senado. Integrantes da base do governo de Jair Bolsonaro na Casa discordam da alteração aprovada na Câmara e devem propor um prazo de quarentena intermediário, nem de 30 dias nem de três anos.

A proposta que estava em discussão era de 180 dias para que quem tiver ocupado cargos partidários ou participado de campanhas eleitorais possa atuar como presidente ou diretor de estatais ou conselheiro de agências reguladoras.

— É um absurdo a mudança de 36 meses para 30 dias, é alterar uma lei por conveniência casuística. Talvez, se respeitassem os 180 dias de quarentena já impostos a outras categorias haveria alguma coerência. É uma possibilidade que estudaremos — afirmou Carlos Portinho (PL-RJ), líder do governo Bolsonaro no Senado.

Membro do PSDB, Alessandro Vieira (SE) defende a proposta intermediária:

— É possível chegar a um meio termo, desde que haja tramitação legislativa normal. A votação foi atropelada.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) classificou a mudança de “retrocesso histórico” em uma rede social. Ele disse que o Brasil passa de um país avançado que tem estatais para uma “república de bananas”, cujas empresas servirão de cabide de emprego para políticos derrotados:

“É uma burrice porque o Aloizio Mercadante não precisava disso. Como Doutor em Economia, sem mandato parlamentar há muitos anos, sendo apenas presidente da Fundação do PT, e não do Diretório, sua indicação tem margem para uma apreciação positiva do Conselho do BNDES. O que foi feito é tão escandaloso que pode prejudicar até o próprio Aloízio”.

A proposta de mudança na lei tratava de regras de publicidade institucional. Na noite de terça-feira, na hora da votação, foi acolhida emenda do líder do PSB, deputado Felipe Carreras (PE), que previa a redução da quarentena. As bancadas do PT e a do PL votaram a favor. Apenas PSDB, Cidadania e Novo foram contrários. O novo parecer foi protocolado pela relatora Margarete Coelho (PP-PI), aliada do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), horas após Lula indicar Mercadante ao BNDES.

Para Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade, órgão de defesa da concorrência, e professor da FGV, a mudança aprovada na Câmara é “retrocesso quilométrico" na lei aprovada em 2016, no governo de Michel Temer:

— Vejo um Brasil de 50 anos atrás. Por que botar um político numa instituição que deveria ser comandada por uma pessoa de perfil técnico? Para ter controle do caixa e botar dinheiro onde se quer. O país tem um histórico de ingerência política nas estatais. Tudo isso vai acabando com as poucas instituições que temos. E a democracia não se sustenta sem ter instituições sólidas.

Fonte: O Globo



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