Odeio o Natal: pessoas que detestam a celebração contam como lidam com os protocolos

Henri desenvolveu a ilustração especialmente para esta matéria — Foto: Henri Campeã

Quando acordar na manhã do próximo dia 24, a publicitária Joice Leni terá uma espécie de script anual para cumprir. Fará uma boa faxina na casa, na tentativa de acelerar os ponteiros do relógio e, quando a noite finalmente chegar, tomará um banho e colocará tampões nos ouvidos. “Durmo antes da meia-noite para não ser obrigada a cumprimentar ninguém”, conta. “Tem uns 15 anos que tenho ódio do Natal.”

Não que ela já tenha caído de amores pela celebração em algum momento da vida. “Não fui uma criança que curtia, talvez por não receber presentes ou não ter a família unida”, desabafa. “Quando cheguei à adolescência, comecei a notar a hipocrisia. Meus pais passavam o ano brigando e, na noite do dia 24, insistiam em comemorar ‘a paz e a união’. Não fazia sentido na minha cabeça.”

Joice não é uma herege e tampouco uma voz solitária. Se você está entre as pessoas que gostariam de ver as últimas semanas do ano riscadas do calendário definitivamente, basta jogar “eu odeio o Natal” no campo de buscas de redes sociais como o Twitter para sentir o afago do pertencimento. Continuar lendo essa matéria (ao menos é a nossa intenção) também pode lhe fazer bem. Afinal, é provável que você se identifique com pessoas como o ilustrador Henri Campeã, que transformou sua raiva na arte da página ao lado. “Acho o Natal muito cafona, todo ano é a mesma coisa. Tenho praticamente que sair do meu corpo para conseguir transitar em dezembro”, diz ele, que sente um frio na espinha (o único frio possível nesta época do ano por aqui) ao deparar com as decorações cheias de neve no auge do verão. “O que mais me irrita é o fato de até hoje não terem tropicalizado a decoração. Esta data, para mim, é um surto coletivo.”

O ilustrador Henri Campeã — Foto: Reprodução/Instagram

Embora cada um dos entrevistados tenha um jeito particular de detestar a festividade, todos citam a imposição de uma suposta alegria como um dos principais motivos de irritação. Queixa que, segundo o psicanalista e professor da USP Christian Dunker, faz todo o sentindo. “O Natal é uma espécie de paradigma da felicidade compulsória. E não há nada mais odioso do que obrigar alguém à felicidade. Afinal, ela não tem hora marcada para aparecer”, afirma. “Fora isso, por ser uma festa familiar, acaba sendo um momento em que você revive histórias ruins, que podem ter a ver com a falta de alguém ou até mesmo a presença em excesso, com brigas e dramas.”

A biomédica Thayná Melo nunca vivenciou um conflito natalino em casa, mas tem verdadeiro pânico da canção que diz “Então é Natal, e o que você fez?”. “Para quem não consegue fazer metas ou cumpri-las, a pressão já começa aí”, critica a moça, que também considera a ceia natalina uma chatice sem fim. “Parece ‘Big Brother’. Fica todo mundo se arrumando o dia inteiro para, depois, ficar sentado na sala.”

Como se não bastasse toda essa chateação, Thayná lembra que as pessoas que não gostam da data são malvistas pelas demais, e isso aumenta a cobrança. “Você vira o Grinch da família. Uma espécie de anticlímax.”

A biomédica Thayná também não gosta da data — Foto: Arquivo pessoal

O psicólogo Claudio Paixão, pesquisador em Comunicação Humana da UFMG, lembra que isso acontece, sobretudo, porque a data tem um cunho religioso, ainda que muita gente tenha deixado esse detalhe de lado. “Quem não gosta é, portanto, associado a alguém que não enaltece os bons valores e as relações poéticas socialmente construídas em torno data”, afirma.

Assim como Christian Dunker, ele reitera que não apresentar afinidades com este momento do ano é um comportamento absolutamente legítimo. Essas pessoas, portanto, não devem ser vistas como ranzinzas ou antissociais. “Aqueles que as julgam dessa forma estão equivocados. Elas têm o direito de não gostar e precisam ser respeitadas.”

Portanto, libere-se sem culpa de ouvir a piada do pavê.

Fonte: O Globo


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