Rial renuncia ao comando da Americanas após achar rombo de R$ 20 bilhões

Sérgio Rial Arquivo/O Globo

Apenas nove dias após assumir o comando da Americanas, Sérgio Rial decidiu deixar a varejista nesta quarta-feira, depois de ter sido descoberta uma “inconsistência” contábil no balanço da companhia da ordem de R$ 20 bilhões.

Embora as informações sejam preliminares, a detecção do rombo prenuncia um escândalo em uma das maiores varejistas da América Latina e deve comprometer a recuperação de um papel que acumula perda de quase 60% em um ano an Bolsa.

As inconsistências contábeis também são um revés para a imagem do trio de bilionários da 3G Capital — Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles —, que controlaram o negócio por quatro décadas (até o ano passado) e ainda são os acionistas de referência da Americanas. Além disso, devem também gerar questionamentos sobre o trabalho da PwC, responsável pela auditoria das contas da Americanas.

Acompanhou Rial em sua decisão o novo diretor de relações com investidores, André Covre, que também havia tomado posse em 2 de janeiro.

O conselho da Americanas nomeou interinamente o diretor de recursos humanos, João Guerra, como presidente e diretor de RI. Segundo a Americanas, trata-se de um “executivo com ampla trajetória na companhia nas áreas de tecnologia e recursos humanos, e não envolvido anteriormente na gestão contábil ou financeira.”

Capital de giro na mira

A empresa disse ainda que o conselho vai criar um comitê independente “para apurar as circunstâncias que ocasionaram as referidas inconsistências contábeis, que terá os poderes necessários para a condução de seus trabalhos.”

No fato relevante, a companhia disse que as inconsistências foram encontradas “em lançamentos contábeis redutores da conta fornecedores realizados em exercícios anteriores”, mas precisou que ela abrange inclusive o ano de 2022. O valor de R$ 20 bilhões, que classificou de preliminar, teria como referência os números do fechamento do terceiro trimestre do ano passado.

A empresa disse que operações de financiamento de compras realizadas junto a bancos simplesmente não aparecem no último balanço da empresa.

— O fato relevante da empresa é pouco claro. Pelo que ela informou, ela tomou empréstimo junto a instituições financeiras para pagar fornecedores, mas esses fornecedores não existiam. Não sabemos, porém, a razão de ela fazer isso, se para reforçar seu caixa com uma taxa menor ou por outro motivo. De qualquer forma, inconsistência é um eufemismo. Houve fraude — disse Renato Chaves, especialista em governança corporativa e conselheiro de empresas.

Lemann 'segue suportando empresa'

“Neste momento, não é possível determinar todos os impactos de tais inconsistências na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da companhia”, escreveu a Americanas, acrescentando que só terá um número preciso e seu impacto no balanço após a apuração e a auditoria do rombo.

Em referência a Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, a empresa disse que “os acionistas de referência da Americanas, presentes no quadro acionário há mais de 40 anos, informaram ao conselho de administração que pretendem continuar suportando a companhia.”

Segundo a empresa, Rial atuará como assessor do trio da 3G no processo. Amanhã, o agora ex-CEO fará uma teleconferência, organizada pelo BTG Pactual, para explicar a situação a investidores.

Reservadamente, um gestor do Leblon classificou a descoberta de “show de horror” e previu que a notícia terá impacto negativo substancial nos papéis da Americanas daqui para frente.

— Vai colocar a empresa no corner. São R$ 20 bilhões a mais de capital de giro, o que vai fazer com que sua alavancagem fique estourada. Embora não tenha efeito-caixa imediato, ninguém vai querer dar mais dívida para essa empresa. Corre risco de precisar um aumento de capital relevante — disse o gestor, que preferiu não ser identificado.

Lucas Lima, analista da VG Research, concorda que a companhia pode ser obrigada a levantar capital

— A Americanas estava financiando seu capital de giro em torno de R$ 20 bilhões com fornecedores e não registrou isso em seu balanço. Atualmente, a empresa possui em torno de R$ 8 bilhões em caixa. O montante é extremamente elevado, sendo basicamente valor de mercado de empresas com o Magazine Luiza e Lojas Renner — calcula Lucas Lima, analista da VG Research. — Sem dúvidas, as ações da companhia irão sofrer no pregão de amanhã.

Fernando Siqueira, da Guide, opina que será necessária uma capitalização para salvar a companhia:

— Com o acréscimo do valor suprimido, o valor da alavancagem se torna muito maior do que o previsto anteriormente no balanço. Então, a capitalização, com a emissão de novas ações, será necessária para pagar essa dívida. É um processo complexo.

Embora surpreendente, a renúncia de Sérgio Rial depois de pouco mais de uma semana, foi, para João Frota, especialista em renda variável da Senso Corretora, a única alternativa para o executivo:

— Se ele não fizesse isso agora, o mercado iria obrigá-lo a pedir demissão.

Ex-Santander

Ex-CEO do Santander Brasil (do qual ainda é o presidente do Conselho de Administração), Sergio Rial foi anunciado como o substituto do então CEO da Americanas Miguel Gutierrez em agosto do ano passado. O objetivo da primeira troca de comando em 20 anos era promover uma ampla reestruturação na companhia. A posse se deu no último dia 2.

Entre o anúncio e a posse, o executivo se dedicou a visitar lojas e áreas operacionais da companhia. Em dezembro, publicou na rede social um recado para seus futuros comandados:

“Aos 40 mil colaboradores da Nação Americanas, estão nos subestimando, e entendo o porquê. Portanto, preparando as turbinas para a entrega de resultado consistente e a maior onda de mobilização e transformação que o mercado já viu”.

A troca de comando na Americanas foi feita um ano e meio depois da fusão entre a rede de lojas e seu braço de comércio eletrônico, a B2W, em uma única empresa e classe da ações (AMER3). A operação tirou o controle das mãos de Jorge Paulo Lemann e seus sócios, mas eles continuaram sendo os principais acionistas da empresa.

Rial foi escolhido em um cuidadoso processo de seleção que durou meses, segundo informou a varejista na época. O anúncio foi muito bem recebido pelo mercado como o nome certo para fazer transformações na empresa e chegou a provocar uma valorização de mais de 20% dos papéis da empresa num só dia. Havia a expectativa de que ele agregaria expertise financeira à companhia, particularmente por meio da fintech do grupo, a Ame.

Transparência

Rial é um dos executivos de maior prestígio no país e costuma defender a transparência das empresas de capital aberto com investidores, analistas e clientes. Além do conselho do Santander — onde seu trabalho como CEO foi marcado por um reposicionamento do banco no relacionamento com clientes para enfrentar a concorrência com fintechs e o investimento na área de experiência do consumidor —, ele é membro dos colegiados da Vibra (ex-BR Distribuidora) e da BRF. Rial também já atuou no frigorífico Marfrig.

André Covre, que deixou a Americanas com Rial, foi trazido pelo próprio executivo após passar por Ultrapar e Extrafarma.

Nesta quarta-feira, antes de ser anunciada a saída de Rial, as ações da Americanas (AMER3) fecharam com alta de 0,76%, a R$ 12. A companhia vale cerca de R$ 11 bilhões na Bolsa.

Fonte O Globo


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