Pessoas em situação de rua fazem da leitura caminho para mudança de vida

Na Capital do Espírito Santo, o centro da acolhimento "Hospedagem noturna" tem um canto para leitura com cerca de 440 livros

Foto: Divulgação/Prefeitura de Vitória

Canto de leitura no Acolhimento Institucional "Hospedagem Noturna" com cerca de 440 livros.

Quando percorremos as ruas da Capital do Espírito Santo, encontramos inúmeras pessoas vivendo em situação de rua. Entretanto, raramente, imaginamos os motivos que os levaram a essa condição de vulnerabilidade social e, também, quais são as potencialidades e talentos que existem por trás de cada rosto.

Nos corredores dos serviços de acolhimento da Assistência Social, de Vitória, encontram-se vários exemplos de pessoas que encontraram na leitura uma esperança.

Entre eles estão o professor de inglês, Júlio César Viana Pereira, de 53 anos; o técnico de informática, Eduardo de Campos Sperandio, 52; e Alan Borges Siqueira Cavalcante.

Foto: Divulgação/ Prefeitura de Vitória/ Diego Alves - Eduardo (verde) e Júlio César (preto); À direita Alan Borges Siqueira Cavalcante.

Eles se encontraram na Hospedagem Noturna, localizada na Cidade Alta, depois de anos utilizando as ruas da cidade como dormitório. Os três passaram a viver nessa condição após conflitos familiares devido ao uso de drogas.

Hoje, o amor pelos livros e o desejo de despertar a paixão pela literatura nos outros usuários da hospedagem é o que move a vida de cada um deles.

Júlio é fluente em inglês e já morou nos EUA e na Inglaterra

Fluente na língua inglesa, Júlio já morou nos Estados Unidos e na Inglaterra. Desde julho de 2021, vive em situação de rua. Ele procurou acolhimento no Centro de Referência a Pessoa em Situação de Rua (Centro Pop), em Mário Cypreste.

Desde então, já passou por outros centros de acolhimento como o Abrigo 1. Atualmente, ele passa as noites no espaço de Hospedagem Noturna, onde conheceu Eduardo e Alan. Apaixonados por literatura, a amizade entre eles fluiu naturalmente.

Mão na massa

Entre uma conversa e outra, nasceu o projeto de criar um canto para leitura na Hospedagem Noturna, ideia que foi prontamente apoiada pela equipe técnica do local. Hoje, já são mais de 440 livros disponíveis. O próximo passo seria organizar o espaço.

"Um técnico mostrou caixas com vários livros, mas faltava gente para organizar. E nós abraçamos a oportunidade e ficamos responsáveis por catalogar os livros", comentou Júlio.

Eduardo Sperandio usou seu conhecimento na área de tecnologia para criar um programa para facilitar o acesso dos colegas às publicações. "Separamos por gênero, autor e número de páginas. E estamos organizando resumos dos livros para ajudar na escolha", disse Eduardo, todo orgulhoso.

Ele ainda revelou que em pouco mais de um ano já leu 78 livros e tem como meta fechar o ano de 2023 com o registro de 200 obras lidas. Para ele, vale qualquer tipo de livro.
"Eu acredito que os livros podem motivar outras pessoas a saírem dessa situação e passarem a enxergar que a vida é muito boa. Aqui, esse momento é transitório. Eles precisam acreditar que conseguem conquistar um objetivo", enfatiza ele.

Movido por um sonho de viver uma realidade distante das ruas, Júlio não escondeu o que o motiva todos os dias a adotar uma postura diferente.
"Quero contribuir para a superação de outras pessoas. Voltar a estudar para fazer uma licenciatura e ter uma família - casar, ter uma mulher, filhos".

Já Eduardo disse que quer voltar para o mercado de trabalho, ter emprego, renda e liberar a sua cama na hospedagem noturna para outra pessoa que precise.
"Estou fazendo curso de estofador de móveis no Senai e espero arrumar um emprego. Eu dormia nas arquibancadas do Sambão do Povo. Eu pedi ajuda e quero continuar a caminhada, alcançando minhas metas e propósitos", comentou ele.

A importância dos livros

O amor pelos livros também está fazendo a diferença na vida de José Roberto, de 39 anos, que está no Abrigo 1, em Santa Lúcia. Em pouco mais de um ano, ele disse ter lido mais de sete livros.

"Eu leio independente de dizerem que o livro é bom ou ruim. Gosto de ter minha própria opinião. Amo ler. Lendo crio meus próprios cenários e tiro o foco das coisas ruins. A gente começa a ver outras possibilidades. Eu já me matriculei na Educação de Jovens e Adultos (EJA), que é oferecido no próprio Abrigo 1, e já estou inscrito num curso de logística. Eu busco a inserção no mercado de trabalho e quero superar essa condição", afirmou José Roberto.

Para a gerente de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, Anacyrema Silva, a leitura reflexiva representa uma das boas vias para entender a realidade.

"É verdade que em nossa sociedade a prática da leitura é pouco incentivada e desenvolvida. Mas, dada a sua importância, a leitura deve ser estimulada e integrada ao cotidiano das pessoas em situação de rua, pois colabora para a desconstrução de estigmas solidificados e de fortalecimento de seu protagonismo para a vida social", defende Anacyrema.

A secretária de Assistência Social, Carla Scardua, disse que é memorável utilizar o poder dos livros "de levar" a outros mundos possíveis, de entreter, ao mesmo tempo em que favorece a reflexão sobre a realidade ou a fuga de dificuldade que os usuários enfrentam em seus cotidianos.

Saiba como são feitos os trabalhos nos locais destinados a acolher pessoas em situação de rua em Vitória

Abrigo 1

O espaço acolhe até 50 adultos na modalidade 24 horas e mantém oferta de alimentação, oficinas, higienização, turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA), atendimento psicossocial, atividades de fortalecimento de vínculo familiar e comunitário, dentre outras.
Hospedagem Noturna

Acolhimento Institucional na modalidade pernoite com capacidade para até 40 pessoas, com atendimento psicossocial, atividades de grupo, alimentação e higienização, dentre outros.

Fonte: Folha Vitória

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