Suspeitos de tráfico humano entregariam menino a outro casal, mas se assustaram com repercussão do caso, diz polícia


Marcelo Valverde e Roberta Porfírio deixariam bebê em fórum de SP quando foram detidos; inquérito apura se mãe recebeu dinheiro e se quadrilha está por trás de crime em SC

Nícolas, de 2 anos: menino foi levado por dois suspeitos e seria entregue a um casal, segundo a polícia Reprodução

A polícia acredita que os sequestradores de Nícolas Areias Gaspar, de 2 anos, que estava desaparecido desde o último dia 30 de abril, quando foi levado da cidade de São José, em Santa Catarina, teriam resolvido entregar a criança ao Fórum de Taubaté, em São Paulo, por medo, depois de notarem a grande repercussão em torno do caso. Marcelo Valverde e Roberta Porfírio foram surpreendidos e presos em flagrante quando se dirigiam de carro até o local.

Originalmente, segundo os investigadores, eles, que não possuem relação afetiva alguma entre si, entregariam o menino a um segundo casal de receptadores, também já identificado pelos agentes. O inquérito agora prossegue para tentar descobrir se a mãe, de 22 anos, definida como uma pessoa "financeira e psicologicamente frágil", teria recebido dinheiro pelo filho. Os contatos entre ela e os suspeitos começaram quando o bebê nasceu.

— A mãe disse que os conheceu por intermédio de um grupo de ajuda, numa rede social. Diante de sua vulnerabilidade, ela teria sido cooptada ou induzida a fazer essa entrega (do filho) — contou o delegado-geral de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, durante coletiva de imprensa no fim da tarde desta terça-feira. — Esses dois indivíduos presos em flagrante não são um casal. Um deles seria o aliciador. Eles veem a repercussão do caso, ficam com medo, fazem contato com o Fórum de Tatuapé e, a partir da interlocução com juiz e promotores de SP, é pedido que eles apresentem a criança lá. No caminho ocorre a abordagem da polícia e eles são presos. Depois, foram conduzidos até o Fórum e o juiz determinou que fossem levados à delegacia, e que a criança fosse levada a um abrigo.

A mãe de Nicolas passou três dias internada em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ela ingeriu medicamentos após entregar a criança aos suspeitos.

A delegada Sandra Mara Pereira, de Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente de SC, acrescenta que só após a quebra de sigilo bancário dos envolvidos será possível dizer se a mãe recebeu vantagem financeira para entregar o pequeno Nícolas. A família rejeita essa possibilidade, e afirma que ela foi vítima da quadrilha que se aproveitou de sua fragilidade e de um quadro de depressão pós-parto. O pai nunca registrou o garoto.

— A mãe possui uma fragilidade muito grande financeira e psicológica. Foi convencida por conta dessa fragilidade. Ela é muito jovem, ficou grávida aos 19 anos. Não tem emprego, possui apenas alguns cursos, e essa fragilidade dificulta sua inserção no mercado de trabalho — contou Sandra. — A criança está registrada no nome da mãe, mas nos foi apontado o nome de um possível pai também. E todas as pessoas indicadas na investigação estão sendo submetidas a mandados de busca e apreensão. A mãe nega ter recebido vantagem, mas só teremos certeza com a quebra de sigilo bancário de todos os envolvidos.

A investigadora revelou ainda que o processo de convencimento para a entrega da criança começou há 2 anos — ou seja, desde o nascimento da criança.

— Primeiro, o caso foi reportado como desaparecimento. Depois, com as investigações e desbloqueio do celular (da mãe), nós vimos que houve um assédio à vítima para que ela entregasse a criança, algo que se estendeu ao longo de 2 anos — disse. — Mas só conseguiremos tipificar (os crimes cometidos) a partir da concessão de algumas cautelares. Precisamos verificar se ela foi ameaçada, se recebeu algum dinheiro, se houve entre eles alguma troca. Somente então, cumpridas todas as formalidades, poderemos representar por algo.


'Virada de mesa'

Nícolas havia sido visto pela última vez no último dia 30 de abril, no município de São José, na Grande Florianópolis. A mãe dizia não se lembrar onde e como entregou a criança. O sumiço foi registrado por outros parentes na delegacia e contou com ampla divulgação do tio dele, Juliano Gaspar, que é humorista e conta com 140 mil seguidores no Instagram. Começava ali uma busca das polícias Civil e Militar de Santa Catarina pelo garoto. Foi com ajuda do sistema de identificação de placas da Polícia Rodoviária Federal que eles conseguiram traçar o deslocamento do veículo usado pelos suspeitos, que estava com uma placa adulterada. Só assim foi possível saber que eles iam em direção a São Paulo. A prisão foi feita pela equipe SOS Desaparecidos, da PM-SC, com auxílio da PM de SP. Com a quebra de registros telemáticos do celular da mãe, a suspeita de sequestro mudou para a hipótese de um crime de tráfico de pessoas.

— Houve uma virada de mesa nesse caso. No início, tratávamos como um desaparecimento. Depois, sequestro. Mas foi se avolumando e mostrando que havia coisa mais grave — comentou o secretário de Segurança Pública de SC, Paulo Cezar Ramos de Oliveira, que, no entanto, ponderou que só a conclusão das investigações permitirá afirmar se o crime foi de fato cometido por uma quadrilha especializada em tráfico humano.

Avião deve ser deslocado para levar menino a SC

De acordo com as autoridades catarinenses e paulistas, a criança está bem, em segurança e com o Conselho Tutelar em São Paulo. Os trâmites necessários para que ela retorne ao estado já estão em andamento. Quando chegar a SC, o menino deverá ficar, a princípio, com a avó materna.

— A situação é de jurisdição do Poder Judiciário de SP, que vai determinar as medidas. Obviamente, que a mais importante e aguardada é a que permita que ele retorne o mais rápido possível. Estamos acompanhando passo a passo o desenrolar da situação, agora vencida a primeira etapa investigatória — disse o secretário. — A determinação existente no mandado de busca e apreensão já expedido pela Justiça catarinense determina que a avó materna fique com a tutela provisória da criança. Pelo menos até que se profira uma nova decisão.

Por fim, o governo de SC afirma que determinou apoio de agentes, como um psicólogo da Polícia Civil, além de PMs, para São Paulo, "para darem todo apoio necessário à criança", que, segundo o secretário, "está extremamente fragilizada". Quando o retorno for autorizado, há expectativa de que um avião seja disponibilizado.

A reportagem não conseguiu contato com a defesa dos suspeitos.

Fonte: O Globo


Postagem Anterior Próxima Postagem