Depressão e uso de telas levam milhares de crianças e adolescentes para hospitais


Estudo da UFMG mostra relação direta entre a doença e a utilização excessiva da Internet

Depressão e uso de telas levam milhares de crianças e adolescentes para hospitais

Cada vez mais presente nos lares brasileiros, as telas têm afetado a saúde mental de crianças e adolescentes. Um levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que 72% das pesquisas realizadas mundialmente já comprovam uma relação direta entre o consumo de celulares, computadores e televisores e a depressão nos mais jovens. Em Minas Gerais, somente em janeiro e fevereiro deste ano, 1.221 pessoas com até 18 anos precisaram de atendimentos ambulatoriais e hospitalares pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em função de episódios depressivos, o equivalente a 20 por dia, de acordo com dados do Ministério da Saúde. No Brasil, foram 11.108 no mesmo período. Alguns pais e responsáveis tentam lutar contra essa tendência e buscam alternativas ao “mundo moderno” com atividades lúdicas e ao ar livre.

Por se tratar de algo bastante recente considerando toda a história da humanidade, especialistas se desdobram para entender, de fato, o porquê de as telas serem tão prejudiciais sobretudo para crianças e adolescentes. As conclusões compreendem um leque de possibilidades, partindo das comparações que os mais jovens fazem com a vida dos conhecidos, amigos e famosos nas redes sociais até a ausência de um tempo maior de qualidade com os pais e familiares. Isso porque, conforme o estudo, muitas vezes os responsáveis deixam os filhos utilizando telas e focam nas suas atividades, provocando distanciamento entre eles.

“O uso de telas estimula a comparação entre os jovens, o que faz com que reduza a autoestima deles e reduza a formação da autoimagem, prejudicando a formação de uma personalidade saudável e contribuindo, assim, para a depressão”, explica Júlia Khoury, médica psiquiatra, mestre e doutora em dependências químicas e comportamentais.

Além disso, conforme destaca Renata Maria, autora do levantamento, terapeuta ocupacional e pesquisadora da faculdade de medicina da UFMG, as crianças e adolescentes estão deixando de viver momentos lúdicos e que, antes, eram corriqueiros. O próprio brincar, conforme ela afirma, já não é como antes — com isso, o resultado pode ser a perda de sentido na vida cotidiana e de certos simbolismos inerentes à infância.

“Hoje a gente já consegue perceber crianças com muitas dificuldades sobre o que vai fazer com uma bola, por exemplo, como manter equilíbrio para chutar. Antes era quase que instintivo. Você entregava uma bola para uma criança de sete anos e ela sabia exatamente o que fazer. Hoje as crianças estão muito habituadas a rolar telas de smartphones, então essa vida prática vai perdendo um pouco o sentido. O simbolismo dos brinquedos, o próprio brincar vêm tomando outras proporções”, diz ela.

A comunicação entre as crianças e adolescentes e deles com os mais velhos também já não é mais a mesma, conforme destaca Renata. Se, por um lado, é possível conversar com diversas pessoas online, por outro, as trocas são mais superficiais. Com isso, os jovens podem começar a ter dificuldade de expressar sentimentos mais profundos, o que os ajudaria a desabafar e a se sentirem mais amados e acolhidos.

“Hoje é muita tela, muito arrastar de tela, muitos botões para apertar, e as habilidades manuais mesmo, a rapidez no raciocínio e a facilidade também na comunicação presencial estão ficando às vezes em segundo plano. As pessoas conseguem muito se comunicar via internet, mas aquela habilidade social de conseguir conversar, expressar seus sentimentos, expressar suas ideias, está ficando diminuída, prejudicada”, diz Renata.


Lutando contra a depressão

Ana* (nome fictício) é mãe de Joana*, de 12 anos, e de Talita*, de 10. Ela conta que procurou tratamento psiquiátrico para as meninas após comentários das filhas sobre a “falta de graça na vida” chamarem a atenção. O que ela ouviu da profissional é que, de fato, as telas estavam sendo muito mais prejudiciais para as meninas do que a mãe havia cogitado. As duas apresentavam sintomas depressivos.

“Eu trabalho muito, então deixava minhas filhas terem bastante acesso às telas. Elas começaram a se comparar bastante com os outros, principalmente com as influencers. Elas concluíram que a vida delas não era tão interessante como as das outras pessoas, que viviam viajando, indo a lugares ‘de rico’ e com amigos famosos. A mais velha entrou em desespero porque queria ter amizade com ‘pessoas importantes’. Para ela, não bastava ter amigos na escola ou na família, pois isso era ‘sem graça’. Ela queria estar entre aqueles que têm milhões de seguidores”, conta.

Conforme Ana, as filhas começaram a achar a vida “sem emoção” já que era bem diferente do que viam nas telas. A mais velha não se sentia amada porque os famosos com quem ela queria fazer amizade não a respondia. Tudo isso desencadeou sintomas depressivos.

“Eu acho que entre crianças e adolescentes é mais prejudicial porque eles não têm maturidade suficiente para entender que a vida de ninguém é o que mostram nas telas. Eles realmente acreditam em ‘vidas perfeitas’ e cheias de glamour. Hoje, elas entendem um pouco melhor, mas creio que há um longo caminho pela frente. Não consegui cortar as telas, mas tenho tentado diminuir o uso e conversar mais com elas”, afirma.

A filha Joana, porém, ainda não desistiu de ser amiga de famosos. “Ela diz que é o maior sonho da vida dela, que a vida dela só terá sentido dessa forma. Fico preocupada porque ela parece valorizar mais essas pessoas do que a família que a ama. Ela diz que só vai se sentir realmente amada e valorizada se alguém ‘importante na internet’ demonstrar isso”, conta.


Tempo de tela

Médica psiquiatra, mestre e doutora em dependências químicas e comportamentais, Júlia Khoury ressalta que atualmente já existem recomendações profissionais sobre o uso de telas para crianças e adolescentes. Ela lembra que a Sociedade Brasileira de Pediatria orienta que dos 0 aos 2 anos deve-se evitar completamente a exposição a telas.

“Entre 2 e 5 anos é para limitar as telas no máximo a uma hora por dia, sempre com supervisão de um adulto. Entre 6 e 10 anos é para limitar telas entre 1 a 2 horas ao dia, também com supervisão de adulto. E de 11 a 18 anos é para limitar telas e jogos de 2 a 3 horas ao dia. Esse uso é o uso não acadêmico, ou seja, é uso extra, para brincadeiras, para diversão, fora do recomendado pela escola para fazer as atividades escolares”, explica ela.


Carolyne Canguçu, de 34 anos, vai mais além. Mãe de 5 filhos — Manuela, de 10 anos, Davi, de 9, e Sofia, Olivia e Lara, trigêmeas de 3 anos — ela limita o uso de tela dos filhos a uma hora de televisão nos fins de semana. Durante os dias úteis, eles têm uma programação que envolve muita brincadeira, conversas e diversão, conforme ela relata. Ela, que trabalha como babá e diarista, pega os filhos às 16h na escola e os leva diretamente para um parque ecológico em Belo Horizonte, de segunda à sexta. Às 18h todos vão para casa. À noite, nada de telas, nem mesmo televisão: eles dividem o tempo entre banho, janta, mais brincadeiras e rodas de conversas. Somente em algumas ocasiões, assistem um filme, mas sempre em família.

“Eu levo os meus filhos para brincarem ao ar livre, para ter contato com a natureza. Eles tiram os sapatos, mexem com a grama… cultivamos sempre o vínculo uns com os outros. Muitas vezes as telas substituem o diálogo, o abraço, o carinho. O fato de apresentar um livro para a criança em vez do celular faz com que ela se envolva na história e viva aquilo, diferente do virtual”, afirma ela.

Conforme Carolyne, por vezes, os filhos mais velhos, de 10 e 9 anos, dizem que não há nada para fazer. Mas é justamente daí que surgem mais momentos especiais, segundo ela. “O tédio é uma abertura para a imaginação. Nessas horas, o Davi faz bonequinhos de papel, a Manuela faz bonequinhos de plástico… Eu não permito a tela e isso faz fluir a criatividade deles. Vamos sempre evitar a tela o máximo que pudermos e valorizar a presença, a companhia e o diálogo”, conclui.



Fonte: O tempo



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