'Temi não conseguir amar a minha filha': as dores e conquistas de mãe de criança trans

Thamirys Nunes e a filha, Agatha Maria — Foto: Arquivo Pessoal

Há cinco anos, desde que sua filha, Agatha Maria, iniciou o processo de transiçãode gênero, a vida de Thamirys Nunes de transformou. Foi preciso enfrentar julgamentos da sociedade - incluindo familiares e amigos - enquanto também organizava os sentimentos em si para reaprender a amar aquela criança que assumia nova identidade.

Hoje, Thamirys diz ser "uma mãe apaixonada e desesperada para que a sua criança possa viver e se desenvolver como qualquer outra criança, livre do preconceito e transfobia". Fundadora da ONG Minha Criança Trans, trabalha pelos direitos de crianças e adolescentes trans, e deseja poder sonhar também com coisas simples - como poder levar a filha à Disney.

Em depoimento à Vogue neste Dia das Mães, ela abre o coração sobre seus medos, lutas e conquistas. Penso que filhas especiais são confiadas a mães especiais", diz. "Me sinto honrada e feliz em ter uma criança tão incrível me chamando de mãe." Veja a seguir!

Transição

"O processo de transição da minha filha foi muito delicado, sofrido e difícil. Por ela ser uma criança muito pequena, na época com 4 anos, e também por eu vir de uma família muito tradicional sem tantas vivências e conhecimentos sobre a comunidade LGBTI, muito menos trans.

Foi necessário me desconstruir por inteiro sobre diversos aspectos ao mesmo tempo, que lidei com sentimentos jamais antes imagináveis, como por exemplo, o luto do meu filho, mesmo que em teoria ele ainda estivesse vivo. Senti medo, fui julgada, procurei por referências maternas com vivências similares às minha e me encontrei sozinha e completamente perdida.

Thamirys com seu bebê — Foto: Arquivo Pessoal

Foi necessário aprender, escutar, buscar forças para conseguir entender tudo que estava acontecendo e como a minha filha, minha família se enquadravam na sociedade. Se antes éramos uma família respeitada, passamos a ser chacotas, julgados, segregados por muitos que estavam ao nosso redor. Poucos ficaram, mas o suficiente para nos fortalecer e nos ajudar a continuar."

Medo e força

"Nesta época o que mais me angustiava e trazia medo era a insegurança de que meu amor de mãe se adaptaria a nova realidade. Questionava se iria conseguir amar aquela menina, mesmo sabendo que ela era responsável pela partida do meu amado filho, mesmo sabendo que por conta de quem ela era, eu a partir de então sempre seria reconhecida como a “mãe louca”. Eu chorava e temia não conseguir amá-la.

Ao mesmo tempo que minha maior força para enfrentar tudo isso e descobrir os limites do meu amor, até onde eu seria capaz de ir enquanto mãe, eram os olhos dela brilhando. Sentia que tinha uma criança mais viva, mais feliz e alegre e isso era minha maior fonte de energia para continuar, mesmo tão dilacerada e sofrida quanto estava."

Thamirys Nunes e a filha, Agatha — Foto: Arquivo Pessoal

Maternidade

"Eu amo ser mãe e a maternidade em si me faz feliz. Gosto de tudo, de fazer lição de casa, colocar para dormir, escutar as histórias. Mas os momentos mais incríveis são quando minha filha ri de dar gargalhadas. Esses são inesquecíveis, ficam na memória.

Penso que filhas especiais são confiadas a mães especiais. Ser mãe de uma criança trans é desafiador e complexo, mas sinto que Deus confiou no meu amor por acreditar que eu seria capaz. Me sinto honrada e feliz em ter uma criança tão incrível me chamando de mãe."

Agatha Maria — Foto: Arquivo Pessoal

Mães unidas

"Nossos filhos são os únicos da escola, da família, do bairro e às vezes até da cidade, quanto mais isolada nossa maternidade fica, mais facilmente seremos oprimidas, responsabilizadas e culpabilizadas por nossas crianças serem trans. Quando conhecemos outras mães e famílias onde nossas histórias se repetem, onde podemos realizar trocas e sentir que quem nos escuta entende verdadeiramente como estamos nos sentindo, nos tornamos mais fortes. Para mim foi fundamental conhecer outras famílias e entender que a minha filha não era a única. Me fortaleceu, me ajudou e com certeza mudou o rumo das nossas vidas."

Sonhos

"Meu maior sonho é não ter medo da violência, é poder sonhar com coisas fúteis e bobas para o futuro da minha filha e não com leis e normativas que impeçam que ela seja mais uma vítima da violência transfóbica que infelizmente é tão presente em nossa sociedade. Quero ter a certeza que minha filha está feliz, segura e que tudo ficará bem.

Quero poder levar a minha filha para Disney, poder viver com ela a magia das princesas e me divertir em um mundo mágico. Perdemos essa viagem já duas vezes, uma porque a empresa que contratamos tudo faliu, na outra por que não conseguimos na justiça a autorização para incluir o nome social no passaporte e ficamos inseguros de que nossa filha não passasse na alfândega, por na época ser visivelmente uma menina e ter o passaporte com nome masculino. Agora com os documentos retificados, espero poder um dia ter condições de realizar esse sonho com ela.

Enquanto ativista e presidente da ONG desejo conseguir que o Brasil reconheça a existência das crianças e adolescentes trans, pare de tratar como um assunto de moral e costumes e de uma vez por todas crie normativas e leis que protejam o livre desenvolvimento e dos direitos humanos de todas as crianças e adolescentes trans brasileiras.

Eu sou Thamirys Nunes, mãe da Agatha Maria, uma linda menina trans de 9 anos de idade. Sou uma mãe apaixonada e desesperada para que a sua criança possa viver e se desenvolver como qualquer outra criança, livre do preconceito e transfobia. Autora dos livros Minha Criança Trans? E A Menina no Espelho e se você desejar saber mais sobre a minha história ou entender mais sobre a temática das crianças trans, pode me procurar no Instagram @minhacriancatrans."

Thamirys e Agatha — Foto: Arquivo Pessoal


Fonte: Vogue


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