6 empreendedores que fazem sucesso aplicando inteligência artificial nos seus negócios


Empresas apostam na tecnologia para automatizar funções ou mesmo oferecer novos produtos aos seus clientes

Tatiana Santarelli, CEO da Teamhub, plataforma tecnológica com IA para o acompanhamento integrado de métricas de impacto social — Foto: Ilustração: Indio San

Ela sugere estratégias, prepara campanhas, conversa com clientes, entrega insights, resume documentos em minutos e tem animado empreendedores com seu potencial de gerar novas oportunidades de negócio. A inteligência artificial (IA) pode se apresentar de muitas formas, mas todas elas partem de um mesmo ponto: a capacidade das máquinas de executar tarefas que até pouco tempo atrás era privilégio humano.

“Muita gente encara a IA como um ‘hype’, mas não é. Os maiores investimentos de venture capital no mundo têm sido em empresas de IA e clean-techs. As pessoas já estão utilizando isso em seus negócios com aumento da produtividade, redução de custo, melhoria na experiência do cliente e personalização de ofertas”, diz Diogo Garcia, sócio da consultoria KPMG.

A seguir, conheça 6 negócios brasileiros que apostam na inteligência artificial – e têm tido bons resultados.


Vida nova ao arquivo morto

FACILITAÇÃO - Rafael Figueiredo, CEO da D4Sign, usa ferramentas da OpenAI e do Google para análise e gestão documental de contratos — Foto: Ilustração: Indio San

Assinar documento à mão, autenticar em cartório e enviar para o remetente é trabalho do passado. Ao menos se depender do trabalho da D4Sign. Em 2015, Rafael Figueiredo, 40 anos, identificou a oportunidade e desenvolveu pontos de autenticação para validar virtualmente a pessoa que está do outro lado do contato, com força jurídica alta.

Advogado e formado em ciência da computação, ele conhecia bem o potencial para esse tipo de negócio. Hoje, a empresa conta com 14 pontos de autenticação, incluindo WhatsApp, Pix e a plataforma gov.br. No ano passado, reforçou outra frente do negócio: a gestão documental desses contratos que recebem assinatura digital. Assim como o antigo arquivo morto, o portfólio digital dos clientes precisa se manter preservado e seguro. A inteligência artificial está revolucionando a forma de fazer isso.

A D4Sign já lançou o AI Analyzer, que resume os contratos, otimizando tempo de quem busca informações, e o AI Chat, que permite que o usuário faça perguntas ao documento. As inovações podem ser aplicadas tanto para um arquivo que ainda está em negociação como para outro que está há anos armazenado.

Para o empreendedor, esse é só o começo. “Pretendemos lançar muito mais; queremos que a inteligência artificial atue na plataforma toda, mas é muito cara ainda”, diz ele, sem revelar o valor investido.

As próximas ferramentas oferecidas pela empresa serão a AI Risk, que consegue avaliar o risco de determinado contrato, e a AI Insights, capaz de apontar melhorias no documento – por exemplo, sugerir cláusulas mais atualizadas. “Essas duas ferramentas vão agregar muito valor. O objetivo não é substituir advogados, sempre haverá na ponta um profissional especializado”, diz. “Queremos facilitar.”

De forma conjunta, a startup usa o Bard, do Google, e o OpenAI, para rodar o motor de buscas. “Desenvolvemos algumas integrações e treinamos muito essas duas inteligências. Colocamos cerca de 30 terabytes de informação sobre jurisprudência brasileira para que ela entenda o nosso mundo. Porque a IA é assim, ela precisa de contexto para dar resposta.”

Usar as ferramentas da OpenAI e do Google também traz robustez para o serviço, avalia Figueiredo. Hoje, cerca de 15% da base de 28 mil clientes da empresa fazem uso de soluções com IA, que têm um custo adicional. A startup, que faturou R$ 35 milhões em 2023, quer escalar o uso e fechar 2024 com 100% de adesão – e um crescimento de 35%. “Nosso número de clientes aumentou com a oferta dessas ferramentas, foi uma aceitação absurda. Ela veio para ficar.”


Jogando pela diversidade

DESENVOLVIMENTO - Amanda Pellini, fundadora da Dogmel, explora a IA na criação de games pedagógicos e no marketing — Foto: Ilustração: Indio San

“Num ambiente tóxico de uma escola secundária cheia de intolerância, Dan, um menine preto de 12 anos de idade, tenta descobrir quem é.” Essa é a sinopse de um jogo desenvolvido pelo estúdio de games e tecnologia Dogmel, que se preparava para lançar uma nova fase de Dan Guerreire do Arco-íris, em fevereiro. “Eu sou uma mulher lésbica e candomblecista e vi que não tinha diversidade alguma dentro dos games”, conta a fundadora, Amanda Pellini, 41 anos, que também é professora de tecnologia no ensino fundamental.

A Dogmel nasceu como um coletivo, em 2020, passou por uma aceleradora e agora se prepara para saltar de MEI para microempresa. A produção de games é um dos caminhos encontrados pela empresa para debater temáticas não hegemônicas, dificilmente vistas nesses produtos.

Como a equipe é bastante enxuta, de cinco pessoas, a inteligência artificial tem sido uma ajuda importante para atividades de gerenciamento e é a estrela na produção de games. “Na gestão, usamos principalmente para pequenos prompts [comandos] de marketing e para pequenos títulos, descrições de cartas e sinopses”, diz Larissa Dutra, 29 anos, gestora de comunicação e marketing.

“Uma das coisas que mais se ouvem é que a inteligência artificial tira lugar de seres humanos, né? Essa é uma fala de pouco letramento digital”, avalia. “A gente tem uma capacidade muito pequena ainda de entender que a habilidade humana é essencial para conduzir e criar os comandos.” Ela sugere o Otter para gravar e sintetizar reuniões, e o Grammarly para auxiliar na correção e escrita de textos.

O estúdio usa o ChatGPT e o Bard para, por exemplo, criar cenas em um jogo que une RPG e realidade aumentada, possibilitando que sempre haja uma inédita a ser jogada. Já com o Midjourney é possível fabricar novas cartas, fazendo fundos abstratos ou com imagens específicas.

No radar da Dogmel também estão inteligências que vão muito além do trabalho do ChatGPT, como a Promethean, que faz desenhos 3D, e a Nvidia, que lançou um sistema capaz de criar expressões faciais para personagens. O estúdio também busca descolonizar cenários, desenvolvendo imagens que representem, de fato, o país.

Entre os clientes está, por exemplo, uma editora para a qual a Dogmel desenvolve um aplicativo de realidade aumentada. O estúdio já fez parte de diversos eventos na área, inclusive da delegação do Brasil na Gamescom 2023, na Alemanha. Ano passado, faturou R$ 60 mil, e a meta é, em um ano, alcançar R$ 40 mil por mês, somando verbas de editais e novas soluções em eventos e games.

Descobrindo novos sabores

CARDÁPIO - Eliade Nogueira, CEO da Ice Creamy, usa o ChatGPT para combinar ingredientes e criar campanhas de marketing — Foto: Ilustração: Indio San

Lançando o conceito de cremeria norte-americana no Brasil, a Ice Creamy surgiu há dez anos. Com foco nas classes B e C, a franquia encara o desafio de apresentar novidades no cardápio. Foi por essa brecha que entrou a inteligência artificial. O time de P&D, responsável por estudar novos sabores, combinações e nomes, adotou-a para pesquisar tendências. Para este verão, por exemplo, foram criadas via ChatGPT uma nova linha de produtos premium e uma campanha de divulgação.

Ao inserir dados sobre os itens mais comercializados, a IA sugere combinações, mostra como a gama de produtos é complementada no exterior ou como novos ingredientes podem gerar sabores diferentes.

Na hora de escolher o nome do sabor e produzir o material de campanha, a equipe coloca os prompts [comandos] que já costuma utilizar, indica o modelo de negócio, o estilo da campanha, o sentimento que quer gerar no cliente e, como resposta, a ferramenta oferece cerca de 20 opções. Depois de definido o nome, gera imagens – caprichando nos detalhes, a tarefa leva algumas horas.

A IA agradou tanto que passou a ser testada em outras áreas da empresa. Tem o dedo dela nas fotos dos produtos, nas campanhas, nos cardápios, nas pesquisas de mercado, nas estratégias para atração de novos franqueados e até na seleção de colaboradores pelas franqueadas.

Hoje, a franqueadora usa a versão paga das ferramentas tanto para a parte consultiva no ChatGPT como para gerar imagens via Midjourney. “Tem muita coisa legal na versão gratuita, mas a paga entrega com mais velocidade”, explica o CEO, Eliade Nogueira, 32 anos.

A Ice Creamy, que conta com uma loja própria e 70 franqueadas em operação ou implementação no país, também incentiva e treina os franqueados para utilizar a versão gratuita de ChatGPT e Bing para responder dúvidas corriqueiras. “O retorno que temos é que funciona. Uma das nossas franquias conseguiu aumentar a venda em 15% com base em estratégias de ações locais que a própria IA criou”, indica o CEO. O investimento inicial da franquia da rede é a partir de R$ 300 mil, com retorno previsto entre 24 e 30 meses.

Além da velocidade e da criatividade, o uso da IA ajuda a baixar “muito” os custos, diz o CEO. A empresa reduziu uma pessoa no financeiro, duas em mídias sociais e um fotógrafo. Em compensação, valorizou a senioridade. “Hoje eu posso investir em um profissional pleno, que faz a filtragem e traz mais pronto o resultado para a tomada de decisão”, pontua o empreendedor, que comemora o crescimento de 23% em 2023 e prevê expandir em 20% a rede de sorveterias este ano.


Você sabe com quem está falando?

CHATBOT - Rafael Souza, CEO da Ubots, que usa IA generativa para as empresas terem um bom relacionamento digital com seus clientes — Foto: Ilustração: Indio San

A ideia de criar uma ferramenta capaz de automatizar conversas com clientes nasceu em 2016, no Vale do Silício, onde Rafael Souza, 36 anos, morava. Naquela época, a Meta já havia possibilitado que softwares e empresas se comunicassem via Messenger, aplicativo de uso massivo nos Estados Unidos.

“Eu, brasileiro, sabia que isso ia chegar ao WhatsApp e que faria sucesso aqui. Então nasceu a Ubots”, conta Souza, CEO e cofundador da empresa. “Ao voltar ao Brasil, utilizei algoritmos de IA para criar um robô conversacional para a rede gaúcha de farmácias Panvel.” Na época, essa inteligência conseguia ajudar clientes a localizar a unidade mais próxima ou informar o status do pedido, via Messenger. O projeto deu tão certo que, nos primeiros três anos, a empresa dobrou de tamanho, anualmente.

Quando, em 2019, o WhatsApp passou a permitir essa simbiose com a tecnologia desenvolvida pela Ubots, que já trabalhava com soluções multicanal, o match foi imediato. Em dez dias, a tecnologia estava pronta para permitir atendimento pelo principal aplicativo de mensagens do país. Com a pandemia e o fechamento de agências, os chatbots ganharam maior centralidade para bancos e cooperativas. Se o crescimento estava acelerado, no primeiro ano de pandemia, a Ubots viu seu tamanho triplicar.

Só que até 2023 o chatbot resolvia problemas, porém não agradava. Ele dava informações precisas, mas sem o carisma necessário para ser um representante virtual da organização. Foi quando a inteligência artificial generativa chegou e deu, digamos, alma ao negócio. “Em 2024, os chatbots vão conversar melhor e, se o bot não disser, parte das pessoas não saberá que ele é um robô”, prevê.

Há um ano, a Ubots recebeu investimentos do Google Black Founders Fund e se preparou para usar IA generativa nos seus chatbots. “Pegamos um pedaço disso e vamos aplicar um chatbot para conversar sobre o banco. Ele não precisa ser treinado para falar sobre outros temas”, explica Souza.

A empresa desenvolveu outros serviços a partir da IA, como inferir a qualidade do atendimento e sintetizar conversas, poupando o tempo dos humanos que precisam analisar o conteúdo.

Os mais de 60 funcionários são estimulados a usar ferramentas como ChatGPT e Bard. Hoje a empresa tem 80 clientes, e a previsão para este ano é dobrar de tamanho mais uma vez. “A comunicação por mensagens veio para ficar. Estamos com as peças na mesa para fazer esse crescimento acontecer”, diz o empreendedor.


De olho nas ameaças

CÂMERAS - Camila Rissi, CEO da Monuv, software que aplica IA para aperfeiçoar o monitoramento de imagens — Foto: Ilustração: Indio San

A inteligência artificial tem transformado rapidamente sistemas privados de segurança. Bruno Freitas, 46 anos, e Camila Rissi, 35, perceberam esse potencial há sete anos, quando criaram a Monuv, um software que aplica IA em câmeras de segurança para aperfeiçoar o monitoramento de imagens.

A tecnologia pode ser usada em qualquer tipo de câmera e armazena o conteúdo na nuvem. Os clientes são empresas de segurança, que controlam alertas enviados pelo software.

O sistema opera em três níveis. No primeiro, o software identifica se o que está na imagem é pessoa, animal ou objeto, por exemplo. No segundo, chamado de monitoramento autônomo, verifica se o comportamento está dentro do cenário esperado ou é uma anomalia, e Rissi conta que esse é o diferencial da empresa: reconhecer ameaças e enviar alertas preventivos.

A empresa investe cada vez mais no segundo nível, treinando algoritmos para que o software se torne não só descritivo como prescritivo. Agora, ela mira uma terceira camada, em que os alertas estarão conectados a órgãos de segurança. A empresa atende hoje mais de 15 mil empresas da área e já conectou 80 mil câmeras em todos os estados do país.

O objetivo é ajudar o universo privado a ser assertivo ao compartilhar informações com a polícia, explica Rissi: “Estamos trabalhando para integração com bancos de dados públicos. Isso reduzirá o tempo entre identificar ameaças, validá-las e tomar uma atitude”.

O produto já está integrado a programas como Detecta, da polícia de São Paulo, Hélios, de Minas Gerais, e Córtex, de segurança nacional. Mas a proposta é ir além. “Como pegar esse big data e transformá-lo em inteligência para mitigar ocorrências? Gerando dados sobre o momento mais arriscado e os pontos mais frágeis de determinada área, por exemplo. Temos um banco de dados muito valioso, que é de ocorrências que não aconteceram, mitigadas graças à inteligência”, diz a CEO.

Depois de um processo de aceleração em 2019, a Monuv passou a crescer entre duas e três vezes ao ano. Agora, com um faturamento mensal de R$ 1 milhão, 100% da receita recorrente e equipe de 50 funcionários, a empresa dá novos passos. Para alcançar esse terceiro nível do software, foi preciso reforçar a equipe de IA. Há pouco mais de um ano, comprou a NextCam e incorporou seus três fundadores ao time de tecnologia, com participação societária. Busca agora a seniorização do time, com novas lideranças, para sustentar o crescimento esperado para este ano.


Força fora do Excel

ESG - Tatiana Santarelli, CEO da Teamhub, plataforma tecnológica com IA para o acompanhamento integrado de métricas de impacto social — Foto: Ilustração: Indio San

Mesmo em grandes corporações, é comum que a elaboração do relatório de sustentabilidade enfrente disparidades nos dados monitorados. “Ter em um só lugar todos os indicadores da cadeia de valor que a empresa quer medir permite que ela identifique melhor oportunidades e riscos. IA consegue fazer isso bem”, diz Tatiana Santarelli, 46, CEO da socialtech mineira Teamhub. “O acompanhamento dos resultados sai do Excel e ganha robustez.”

O principal produto oferecido pela Teamhub é uma plataforma tecnológica para o acompanhamento integrado de métricas de impacto social. A empresa nasceu em 2019 como uma HRtech voltada para diagnóstico de cultura empresarial, mas o “boom” das demandas ESG ampliou seu escopo de ação. Essa foi a primeira guinada no negócio.

A segunda veio em 2023, quando a oportunidade de usar a inteligência artificial generativa entrou no planejamento. O ano passado foi dedicado à incorporação da IA na plataforma. A tecnologia está em fase de testes randômicos e validação dos resultados – e isso é feito comparando-se o trabalho realizado pela equipe com aquele entregue pela IA.

Hoje, a empresa faz uso da tecnologia desenvolvida pela OpenAI, o que acelera o processo. Santarelli se diz satisfeita com o que foi alcançado até agora. “Estamos compreendendo que há uma forma mais adequada de fazer perguntas. A nossa equipe está nesse processo de transferência da inteligência humana para a artificial para evitar vieses de quem desenvolveu. Isso está no centro da nossa agenda, porque precisamos ser cuidadosos ao falar de impacto social”, diz.

Na Teamhub, a IA tem a missão de melhorar o produto que a empresa já oferece, não criar um. Ela vai impactar sobretudo a leitura e o cruzamento de indicadores e tornar “legíveis” dados que seriam difíceis de serem acessados a “olho nu”. A tecnologia também permitirá a checagem dos dados que são inseridos por toda a cadeia de valor do cliente, qualificando as informações e indicando eventuais conflitos – trazendo, então, mais confiança e verificabilidade aos resultados.

A socialtech participou do fundo Semente Preta, do Nubank, e conta hoje com 11 investidores-anjo e com um conselho consultivo. Com faturamento anual de R$ 500 mil, a expectativa é crescer 140% em 2024. Santarelli, cujo primeiro cliente foi a Petrobras, diz que está em negociação com empresas de grande porte para se somarem aos 13 recorrentes. A plataforma fortificada com a IA deve ser lançada ainda neste ano.

Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios



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