Alimentos ultraprocessados estão ligados a sintomas iniciais de Parkinson, revela novo estudo


Pesquisadores americanos e chineses encontraram associação entre maior consumo dos produtos e um risco aumentado da doença

Brasil tem 57 mil mortes por ano associadas ao consumo de ultraprocessados, segundo dados divulgados no periódico American Journal of Preventive Medicine (2019) — Foto: Freepik

Na última década, pesquisadores descobriram associações entre alimentos ultraprocessados e uma série de problemas de saúde que vão desde doenças cardíacas até diabetes tipo 2, demência e alguns tipos de câncer. Esses produtos passam por diferentes processos industriais e são ricos em aditivos químicos para torná-los mais duráveis e palatáveis. Alguns exemplos são biscoitos, macarrão instantâneo, refrigerantes, entre outros.

Agora, os cientistas acrescentam a doença de Parkinson à lista de doenças ligadas aos ultraprocessados. Em estudo publicado nessa quarta-feira na revista científica Neurology, pesquisadores dos Estados Unidos e da China relataram que pessoas que consumiam muitos alimentos ultraprocessados tinham maior probabilidade de desenvolver os primeiros sinais de Parkinson do que aquelas que consumiam menos.

A descoberta é uma associação, ou seja, ainda não prova que os alimentos ultraprocessados causem a doença de Parkinson em si, uma condição neurodegenerativa progressiva e incurável marcada por tremores, rigidez muscular e outros sintomas.

Ainda assim, estudos como esse são fundamentais para encontrar ligações importantes entre o que comemos e o risco de doenças neurológicas, afirma Silke Appel Cresswell, neurologista do Centro de Pesquisa para Parkinson Pacific, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, que não participou do estudo.

Já está estabelecido que o que se coloca no prato desempenha um papel no desenvolvimento de condições como doenças cardíacas, mas “estamos um pouco atrasados” quando se trata de como isso afeta a saúde do cérebro, diz:

— É por aí que precisamos começar.


O que o novo estudo descobriu

Alimentos e bebidas ultraprocessados são aqueles feitos com ingredientes que normalmente não são encontrados em uma cozinha doméstica. A categoria, que inclui refrigerantes, carnes processadas e muitos salgadinhos, é responsável por mais da metade das calorias que adultos consomem nos Estados Unidos. No Brasil, a proporção é de cerca de 20% da dieta, segundo os números mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).

Para o estudo, os pesquisadores investigaram se havia uma associação entre o consumo desses alimentos e o desenvolvimento dos primeiros sintomas da doença de Parkinson. Essas manifestações incluíam constipação, encenar fisicamente os sonhos durante o sono, redução da capacidade de sentir cheiros, dificuldade de distinguir cores, depressão e sonolência diurna.

Os cientistas analisaram dados de questionários sobre dieta de quase 43 mil profissionais de saúde nos EUA, de meados da década de 1980 a meados da década de 2000. A cada dois ou quatro anos, os participantes, em sua maioria brancos, respondiam sobre os tipos e as quantidades de alimentos que normalmente consumiam. A partir de 2012, eles também relataram seus sintomas.

Os responsáveis pelo trabalho descobriram que aqueles que mais consumiam alimentos ultraprocessados tinham cerca de 2,5 vezes mais probabilidade de apresentar pelo menos três sintomas iniciais da doença de Parkinson em comparação com aqueles que consumiam menos.

Se uma pessoa apresentar esses sintomas, isso não significa que ela desenvolverá a doença, mas pode sinalizar alterações cerebrais que levem a um diagnóstico anos mais tarde, explica Alberto Ascherio, professor de Epidemiologia e Nutrição da Harvard Escola de Saúde Pública T.H. Chan, da Universidade de Harvard, e um dos autores do estudo.

Em um estudo anterior, Ascherio e seus colegas descobriram que homens mais velhos que apresentavam três desses sintomas iniciais de Parkinson - constipação, encenação de sonhos e redução da capacidade de sentir cheiros - tinham 23 vezes mais probabilidade de serem diagnosticados com a doença três anos depois.

Appel Cresswell diz que o estudo é sólido devido ao seu tamanho, duração e uso de dados detalhados sobre a dieta coletados durante décadas. É importante investigar os primeiros sinais da doença de Parkinson, conta, para ajudar a entender como as mudanças no estilo de vida podem retardar ou prevenir a doença.

Ainda assim, o estudo tem algumas limitações, continua. A especialista afirma que gostaria de ver dados sobre o consumo de alimentos ultraprocessados e diagnósticos reais da doença de Parkinson. Ascherio diz que ele e seus colegas investigam isso atualmente.

Appel Cresswell também observa que os dados da dieta, embora detalhados, foram relatados pelos próprios participantes, ou seja, podem não refletir exatamente o que e o quanto eles comeram. Além disso, outros fatores que não foram incluídos no estudo, como os hábitos de sono, também podem ter afetado o risco de sinais de Parkinson.


Como os alimentos ultraprocessados podem afetar o cérebro

Como o consumo de alimentos ultraprocessados pode aumentar o risco de desenvolver a doença de Parkinson? Essa é “a pergunta de um bilhão de dólares”, afirma Ascherio.

Talvez certos aditivos usados ou produtos químicos em suas embalagens causem inflamação, danos às células ou alterações no microbioma que acabam prejudicando as células cerebrais, acredita o especialista.

Pode ser também que as pessoas que consomem mais alimentos ultraprocessados estejam deixando de consumir itens mais saudáveis, como frutas, verduras e legumes, que são ricos em fibras, antioxidantes e compostos anti-inflamatórios, explica Puja Agarwal, epidemiologista nutricional da Universidade Rush, que não participou do estudo. Pesquisas sugerem que seguir uma dieta que prioriza esses alimentos, como a mediterrânea, está associado a um risco reduzido de doença de Parkinson.

O que é necessário agora, diz Appel Cresswell, são testes clínicos com pessoas que apresentam sinais precoces da doença de Parkinson ou que já foram diagnosticadas com a doença, para verificar se uma intervenção com uma dieta mais saudável pode prevenir ou retardar a doença ou diminuir sua progressão.

Mas, considerando o que já sabemos, ela disse que só há benefícios em consumir menos alimentos ultraprocessados e mais alimentos integrais - e não apenas para o cérebro. Agarwal concorda:

— Se você está melhorando sua dieta, não é apenas para uma coisa. O que você come para o seu cérebro também é bom para o seu coração, também é bom para o seu bem-estar geral.

Fonte: O Globo



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