Decanos mais influentes não participam de conclave, mas se articulam com maestria para defender seu candidato frente aos que votam
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No dia em que completa 80 anos, um cardeal perde o direito de participar do ritual mais precioso da Igreja: a escolha de um novo Papa. Pelas leis da instituição católica, ficarão fora do próximo conclave 117 deles, apenas 13% menor em relação aos que têm direito a votar: 135. Mas, até as portas da Capela Sistina se fecharem na próxima quarta-feira, os cardeais sem direito ao voto exercem um papel definitivo na sucessão de Francisco: a forte influência sobre os eleitores. Especificamente nesse conclave, terão um destaque ainda maior.
— O Colégio Cardinalício de agora é formado por muitos cardeais jovens, inexperientes no circuito europeu, pouco familiarizados com os ritos do Vaticano e, por isso, com mais necessidade de ouvir os mais velhos — diz Francisco Borba, sociólogo da religião.
Autoridade moral
A idade média dos cardeais que estarão no conclave é de 69 anos, sendo 15 deles com menos de 60. A trajetória do mais jovem, o ucraniano Mykola Bychok, exemplifica a falta de intimidade com os complexos mecanismos da Cúria Romana. Com 45 anos, tem menos da metade da idade do prelado mais idoso, o italiano Angelo Acerbi, com 99 anos. Foi nomeado bispo em 2020 e cardeal há cinco meses. Recentemente, declarou para o portal de notícias do Vaticano sobre a escolha do seu nome: “Para ser sincero, no início achei que era uma piada, levei algum tempo para começar a processar. Na verdade, não estava preparado para essa nomeação.”
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A relevância dos mais velhos se dá também pela autoridade moral sobre os menos experientes. No catolicismo, essa é uma qualidade que vale ouro. A sabedoria religiosa seria o equivalente a ganhar apoio partidário em uma negociação política. E isso independe da linha seguida dentro da Igreja. É uma ferramenta inestimável para conservadores, moderados e progressistas.
A maioria dos não votantes também participa das Congregações Gerais que marcam os dias da Sé Vacante, antes do conclave. Nesse período, os eleitores estudam uns aos outros, debatem sobre temas modernos e relevantes. Na última sexta-feira, o assunto central foi aquecimento global, com referência à encíclica publicada em 2015 Laudato Si, sobre crise climática. Inspirados nos debates, os cardeais com mais tempo de Igreja se articulam com maestria para defender seu candidato frente aos mais novos. A desenvoltura do grupo com mais de 80 anos nesses dias ganhou tamanho espaço a ponto de terem sido apelidados de “popemakers” (fabricantes de Papa) nos bastidores do Vaticano.
Sete nacionalidades
O time dominante dos “popemarkers” é formado por dez cardeais de sete nacionalidades, nenhum nomeado por Francisco. Diferente do perfil moderado de grande parte dos nomes que vão participar do conclave, formam uma maioria conservadora, mas a diferença em relação ao número de progressistas e moderados não é gritante.
Um dos mais poderosos é o italiano Gionvanni Battista Re, de 91 anos, da ala conservadora. Atual decano do Colégio dos Cardeais, foi prefeito da Congregação para os Bispos, departamento que escolhe prelados no mundo todo, posto que o fez se aproximar de muitos cardeais. Tem profunda familiaridade com a Cúria Romana. É discreto. Nas Congregações Gerais, tem defendido o nome de Dom Odilo Scherer, cardeal da Arquidiocese de São Paulo. Presidiu o conclave de 2013, quando o nome de Scherer chegou a ficar entre os mais cotados por alguns escrutínios.
Na linha oposta está o brasileiro Raymundo Damasceno, de 88 anos, um progressista. Foi muito próximo do Papa Francisco. Os dois se conheceram ainda nos tempos em que eram bispos. Damasceno presidiu o Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam), um organismo que representa Conferências Episcopais do continente americano, com exceção dos EUA e Canadá. Jorge Bergoglio era frequentador ativo das reuniões do Celam que promoviam o diálogo e os novos caminhos da Igreja latino-americana.
A intimidade entre os dois cresceu durante o pontificado. O cardeal brasileiro acompanhou cada passo de Francisco em sua vinda ao Brasil, em julho de 2013. Convenceu o Pontífice a incluir a cidade de Aparecida, no interior de São Paulo, onde era então arcebispo, na rota papal que havia sido meticulosamente desenhada para ser restrita ao Rio. Em 2019, Francisco o designou para ser o Delegado Pontifício dos Arautos do Evangelho, com o objeto de acompanhar de perto o grupo católico ultratradicionalista brasileiro que conflitava com a cúpula do Vaticano. Nas Congregações Gerais, Damasceno tem tido ingerência especialmente sobre os latino-americanos das alas moderada e progressista, que são quase 20 votantes.
No circuito dos moderados, o austríaco Christoph Schönborn, com 80 anos completados há três meses, destaca-se. Na Igreja, é considerado uma ponte teológica entre Bento XVI e Francisco. Fala bem com todas as alas. Em 2016, foi o escolhido para apresentar ao mundo Amoris Laetitia (Alegria do Amor), o documento de maior repercussão no pontificado de Francisco.
Oposição robusta
A causa do alvoroço foi um pequeno trecho que abre as portas para casais divorciados e recasados receberem a comunhão. O assunto já havia sido aventado por Francisco em falas informais, mas nunca registrado. O documento deflagrou uma polêmica entre os cardeais conservadores, que publicaram em veículos católicos dúvidas sobre a validade do texto, frente aos ensinamentos da Igreja. Desde Amoris Laetitia, formou-se uma oposição interna robusta ao Papa.
O tema das uniões em segunda união, assim como outros delicados para as regras católicas — bênção a casais do mesmo sexo e mães solteiras com acesso aos sacramentos —, não foram esmiuçados ao longo do pontificado e, por isso, ainda são incompreendidos por parte do prelado e dos próprios fieis. O grande desafio está agora nas mãos dos cardeais. O próximo.
Fonte: O Globo