Pais abandonam redes sociais e percebem melhorias na saúde mental; entenda motivos


Na tentativa de preservar saúde de filhos, eles descobrem vida com mais qualidade

Uso excessivo de telas por adultos é parte do problema que preocupa especialistas em saúde mental de crianças e adolescentes — Foto: Dima Berlin/Shutterstock

"Não senti um vazio. Muito pelo contrário, senti uma alegria difícil de explicar — algo como um alívio por não precisar entrar para ver as novidades", diz Alfredo Walker, argentino de 50 anos, pai de quatro filhos e empresário do ramo gastronômico no Brasil. Ele se refere a uma decisão que tomou há seis meses e que, segundo ele, o transformou em uma pessoa mais feliz: abandonar as redes sociais.

Pais que deixaram o Instagram, o X ou o Facebook, entre outras plataformas, não o fazem apenas por si mesmos. Eles sabem que não são um bom exemplo para os filhos, que são vulneráveis ​​aos efeitos nocivos do mundo virtual. O tempo ganho para atividades pessoais e para fortalecer laços familiares é evidente.

"Tinha Instagram e Twitter. Não percebia até parar de usar. Nunca tinha tempo para fazer as coisas que gosto, como sair para correr ou conversar com meus filhos. Desde que desativei, descobri que meu dia tem duas horas extras, porque era isso que cada rede social me tomava. Agora olho muito menos para o celular, não tenho mais aquela motivação de passar horas nas redes. Mas sou muito mais eficiente. Acho que não me agregava em nada", conta Alfredo.
Pai de quatro filhos, Alfredo Walker decidiu parar de postar conteúdo em suas redes sociais e diz sentir um grande alívio — Foto: Reprodução Instagram

Embora não tenha cancelado suas contas definitivamente, ele desinstalou os aplicativos do celular para não cair na tentação de ficar rolando o feed sem parar. A decisão coincidiu com o fechamento de um empreendimento gastronômico no Brasil, que estava demandando seu tempo nas redes sociais.

"A obrigação de movimentar a conta, ganhar seguidores, interagir para crescer, virou algo cansativo. Você entra no telefone, nas métricas, sem saber muito bem o que está procurando, mas fica esperando uma notificação que diga que você conseguiu, que está em alta. Um dia após ter desativado, senti um grande alívio por não precisar mais me preocupar com aquilo, que era o que eu menos gostava", relata.

Nessas duas horas extras que ganhou no dia a dia, ele passou a fazer coisas que realmente gosta. "Escuto muitos podcasts, adoro. E também converso bastante com meus filhos. Sinto que agora consigo ouvi-los melhor. Sem distrações. Eu não acredito em proibições. Como pai, a gente se preocupa com o que os adolescentes fazem, mas o melhor que podemos fazer é dar o exemplo. Se pedimos o tempo todo para largarem o celular, mas nós mesmos estamos sempre presos a ele, eles não vão nos levar a sério", reflete.


Uma nova tendência?

Walker reflete uma mudança no modo como as redes sociais vêm sendo acessadas: desde pessoas que deixam de utilizá-las para fins pessoais até aquelas que optam por abandoná-las após anos mantendo uma imagem de vida perfeita. Agora, surge um novo grupo — o dos pais que se afastam das redes como um gesto simbólico e poderoso para os filhos adolescentes.

É o caso da comunicadora e empreendedora Lala Bruzoni, mãe de quatro filhos, com idades entre 4 e 21 anos. Recentemente, ela anunciou que apagaria sua conta pessoal no Instagram, onde costumava compartilhar cenas do cotidiano e acumulava mais de 22.700 seguidores. “Vou deixar de usar redes sociais para fins pessoais como uma decisão de paz e para ser exemplo para meus quatro filhos”, publicou. A partir de agora, manterá apenas o perfil profissional do projeto The Gelatina, onde compartilha conteúdos sobre saúde e vida consciente.

Lala Bruzoni anunciou que estava fechando suas contas pessoais nas redes sociais para dar o exemplo aos filhos e se conectar com a vida real — Foto: Reprodução Instagram

“Meus filhos disseram: ‘Sério que você vai sair das redes? É divertido o que você posta’”, conta Bruzoni, que já havia tomado uma decisão semelhante alguns anos atrás. “Eu sentia muito FOMO”, admite — FOMO é a sigla em inglês para Fear of Missing Out, ou medo de estar perdendo algo.

“Mas, recentemente, comecei a me impactar com o efeito que pode causar mostrar algo que você não é. Isso pode prejudicar a saúde mental dos adolescentes e das pessoas em geral. Quando algo acontece e não tem o final feliz que os seguidores esperam, as pessoas perguntam: ‘E as fotos? Cadê o final feliz?’ Aí você percebe que nem come o que posta, nem vive daquela forma. Sua vida não é o que aparece nas fotos, e sim o que acontece entre uma foto e outra. Só que isso tem um agravante: causa danos reais à saúde mental de quem consome esse conteúdo. Não é real. Mas o dano é”, reflete.

Sua reflexão vai ainda mais longe: “Eu sempre digo que, em poucos anos, morreremos mais de tristeza do que de velhice. E de onde vem essa tristeza? De nos dissociarmos, de mostrar uma coisa e vivenciar outra. Isso é ruim para nós. E se eu prego tudo isso da Gelatina, se repito isso o tempo todo para meus filhos, preciso vivenciar isso em primeira mão.”


“Nós, pais, precisamos fazer alguma coisa”

Quando perguntam a Bruzoni se a decisão de sair das redes lhe causa adrenalina ou medo, ela garante que não. Diz estar empolgada. Sabe que muitos seguidores só a contatavam pelo Instagram, mas acredita que vão encontrar outras formas de se comunicar. “Fiz algumas capturas de tela, mas deixei a maior parte do conteúdo simplesmente ir. Tenho as fotos no meu celular, e o próximo passo será imprimir álbuns. Agora, não terei mais o aplicativo no celular — vou usá-lo apenas no computador, com fins profissionais”, explica.

A dinâmica dos seus dias vai mudar — e a rotina em casa, também. “Quando estou em casa e pego o celular, minha filha mais nova pergunta: ‘De novo no celular?’ Agora vai ser diferente. Vou poder dizer que estou trabalhando — e será verdade. A diferença é que vou usar muito menos. Tenho certeza disso”, afirma.

Geração alfa crianças mexendo celular — Foto: Freepik/Reprodução

O mal-estar de crianças e adolescentes imersos nas telas preocupa os adultos, que buscam ações efetivas.

“Acredito que todos os pais ficaram horrorizados com a série Adolescência. Havia muitos sinais naquele garoto — como em qualquer adolescente — que nós, pais, precisamos ser capazes de antecipar. Se eles passam mais de 12 horas conectados, dormem mal, sentem que precisam ser populares e que um tropeço nas redes pode arruinar suas vidas, então não conseguem crescer de forma livre e saudável. Nós, pais, precisamos agir", alerta.


Detox digital

O termo “brain rot” (deterioração cerebral) foi escolhido em 2024 pela Oxford University Press como uma das expressões mais relevantes do ano. A expressão reflete o impacto negativo e a crescente preocupação com os efeitos adversos do consumo excessivo e da exposição contínua ao conteúdo digital.

A médica especialista em dependências e autora do livro Dopamine Nation, Anna Lembke, afirmou em entrevista à National Geographic que “o uso compulsivo das redes sociais pode alterar profundamente os mecanismos de recompensa do cérebro.” Segundo ela, períodos de desintoxicação digital permitem um “reinício” dos circuitos de recompensa, ajudando o cérebro a se reequilibrar.

Lembke explica que cada vez que verificamos notificações ou acessamos nossas redes, na verdade estamos buscando uma descarga de dopamina — um neurotransmissor que produz prazer, motivação e bem-estar. Essa descarga pode ser provocada por um comentário, um vídeo engraçado ou uma sequência de “curtidas” em uma publicação. A recompensa cerebral é imediata, mas também viciante: o cérebro passa a exigir doses cada vez maiores.

No entanto, o cérebro tem um limite para lidar com esse estímulo contínuo. Lembke compara o sistema de dopamina a uma balança: quanto mais tempo passamos realizando uma atividade prazerosa, mais o cérebro tenta compensar, diminuindo a liberação de dopamina ou restringindo sua transmissão. Com o tempo, isso gera um déficit de dopamina, e passamos a precisar de mais tempo nas redes para obter o mesmo efeito. Esse ciclo, quando mantido por longos períodos, pode levar a quadros de apatia, ansiedade e dependência do celular.

“Quando interrompemos esse ciclo de dopamina induzido pelas redes sociais, damos ao cérebro a chance de restaurar suas vias de recompensa”, afirma Lembke. Ela acrescenta que uma desintoxicação prolongada — idealmente de pelo menos quatro semanas — pode ser ainda mais eficaz para restabelecer o equilíbrio neuroquímico e ajudar as pessoas a se sentirem mais presentes em suas vidas cotidianas.

O uso excessivo de telas por adultos é parte do problema que preocupa especialistas em saúde mental de crianças e adolescentes — Foto: DimaBerlin - Shutterstock

O neuropsicólogo Diego Maximiliano Herrera explica como funciona o circuito nocivo que a tecnologia pode gerar. “A atitude de estar sempre em alerta com o celular alimenta um estado ansioso. É assim que funcionam as redes sociais. Elas operam como máquinas caça-níqueis: ativam um mecanismo de reforço intermitente, no qual às vezes há uma recompensa e às vezes não. Por ser imprevisível, isso cria uma relação de dependência. Nunca se sabe quando o cérebro vai receber a descarga de dopamina. Do ponto de vista neuropsicológico, como não existe um algoritmo que o adolescente consiga compreender, ele se vê ainda mais preso à necessidade de verificar, controlar e checar constantemente. Isso aumenta a vulnerabilidade e o risco de desenvolver quadros de ansiedade e depressão", detalha ao jornal La Nación.

A compreensão desse circuito e da dependência que ele gera é alarmante por suas consequências. “O uso do celular e das redes começa de forma clara, como uma ação instrumental motivada pela busca de bem-estar. Com o tempo, esse comportamento se transforma em hábito, reforçado pelas alterações neurofisiológicas nos circuitos neuronais que transportam dopamina. E o hábito persiste — mesmo quando o prazer que se buscava já não é mais alcançado", conclui.

Pais que publicam fotos ou vídeos dos filhos nas redes sociais podem causar ansiedade nas crianças — Foto: Shutterstock


Como sair do ciclo das redes sociais?

Para quem deseja reduzir o tempo de exposição às telas sem precisar tomar uma decisão tão radical quanto excluir suas contas, o neuropsicólogo Diego Maximiliano Herrera sugere algumas estratégias práticas. Uma delas é optar por interfaces mais minimalistas nos aplicativos de celular. “O design dos ícones chama a atenção e aumenta o uso”, observa.

Ele também propõe que os relacionamentos incluam reflexões sobre o impacto emocional do uso constante do celular. “Podemos deixar o telefone de lado por um tempo e conversar sem olhar para ele?” — essa pode ser uma pergunta importante a se fazer. Segundo Herrera, é essencial identificar em nós mesmos os comportamentos de verificação e controle, pois são justamente esses hábitos que reforçam a compulsão pelo celular e o mal-estar emocional que vem depois.

A psicóloga Débora Blanca, especialista em dependências, acrescenta:

“Quero conversar com pessoas, não com máquinas. Neste ponto da história, vendo os estragos que as redes sociais causam à saúde mental, eu escolho o mediato em vez do imediato, o conhecimento em vez da informação, a reflexão em vez da reação, o duradouro em vez do efêmero, a experiência em vez da simples vivência.”

Ela também faz uma comparação com os tempos anteriores aos smartphones:

“Os telefones antigos eram mais amigos do nosso tempo e da relação com os objetos. Precisávamos de uma câmera fotográfica, dinheiro em espécie, um aparelho de som, discos... E, além disso, precisávamos conversar olhando nos olhos, porque eles [os celulares] não resolviam tudo por nós”, conclui.


Fonte: O Globo



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