Fotógrafa relata prazeres e desafios de estilo de vida natural ao criar dois filhos 'na floresta' — Foto: Arquivo pessoalA Marie Claire, a fotógrafa Odara da Floresta conta sua jornada até se mudar para a comunidade da Costa da Lagoa, em Florianópolis, há 15 anos, e cita os pontos positivos e negativos do seu estilo de vida, e enaltece os benefícios de se viver em comunidade. Ela ainda repensa como a experiência a transformou e defende o sonho de um futuro que valorize as raízes ancestrais
Odara da Floresta tinha 21 anos de idade e trabalhava como fotógrafa quando entrou em contato com a comunidade Costa da Lagoa, em Florianópolis, Santa Catarina, pela primeira vez. Contratada para tirar fotos de um casamento de um brasileiro com uma mulher russa, ela se encantou ao fazer a travessia de barco para chegar até lá. Ao pôr os pés na costa, conta que um sentimento inesperado e incontrolável a invadiu: “Vou morar aqui um dia”.
Demorou um pouco até o sonho se concretizar. Mas, em 2017, a jovem que vivia quando criança em uma comunidade caiçara decidiu abraçar a oportunidade e começou a planejar a mudança após se formar na faculdade de Jornalismo. Mal sabia que no meio do caminho tinha uma gestação. Após se envolver com Jorge, um colega que foi com ela a uma expedição a Brasília, ela engravidou, mas nunca teve dúvidas sobre continuar a seguir sua jornada. Ele embarcou junto e, assim, foram para a Costa da Lagoa.
“Tinha um coletivo artístico de mulheres, chamado Odara, que funcionava na casa em que eu morava. Já estava ficando com um pouco de ansiedade da casa em que estava morando, por ser muito perto da cidade, então quis vir para a Costa. Parei com os trabalhos fixos que eu tinha e fiquei reconhecida na fotografia, então decidi vir para o mato ficar sozinha”, conta.
Maternidade dentro da floresta
Mãe de duas crianças, a primeira delas nasceu no hospital e a segunda “na floresta mesmo”. “A minha menina eu pari em casa”, conta Odara, que também trabalha como doula e também auxiliou no parto de colegas da comunidade.
A Costa da Lagoa é divida em 23 pontos. É possível chegar de carro até o terceiro deles e, dali em diante, só por meio de barco ou trilha a pé, visto que não há estrada. “A partir do 13º ponto tem o que chamamos de ‘centrinho da Costa’, que é onde tem escola, restaurante, postos de saúde e mais gente concentrada, onde mora a maioria dos nativos”, explica.
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Morando na Costa da Lagoa, comunidade isolada em Santa Catarina, fotógrafa detalha experiência de maternidade no meio da natureza — Foto: Arquivo pessoal
“Há pouquíssimo tempo não tinha barco público para ir e vir. A luz elétrica só chegou aqui há 45 anos. Temos bastante agricultura, mas a maior renda vem da pesca”, complementa. “Em dezembro, comecei a viralizar nas redes sociais. O pessoal acha que vivo no meio da floresta amazônica, mas não. Não é um lugar tão isolado. É de difícil acesso, mas não sou como o [filme] Capitão Fantástico, que o cara cria os filhos no meio do mato mesmo.”
“Para me sentir em casa, preciso botar o pé na terra, na natureza, ter contato com o ciclo da vida e a maternidade me trouxe ainda mais isso. Sou bicho, selvagem. Não quero ser domesticada e não quero que meus filhos não saibam o que é berinjela ou pensem que cenoura nasce em um pote de plástico.”
Odara explica que a tecnologia fez com que a infância fosse deturpada e transformada em algo diferente de sua própria experiência e, por isso, não quer que seus filhos percam esse aspecto da inocência de criança.. “Sou uma criança dos anos 90, que brincava na rua, não tinha celular e TV só foi aparecer lá em casa depois de um tempo. Aqui, eles conseguem ter isso. Minha filha estuda com três crianças que eu vi nascer. Esse tempo ‘fora do tempo’ na infância é muito importante.”
Fotógrafa celebra criação dos filhos longe das telas e em contato com mundo natural — Foto: Odara da FlorestaA fotógrafa também defende que os conhecimentos ancestrais devem ser levados em consideração e que aprendeu isso após seu primeiro parto. “Na cidade se resolve tudo no hospital, inclusive o direito de nascer. Essa não deveria ser a primeira opção, deveria ser exceção. Queria que meu primeiro filho também tivesse nascido em casa, mas tive que fazer cesárea com uma equipe ao meu lado. Mas a segunda já estudei bastante e pude ter da forma que gostaria. Quero quebrar esse paradigma de aceitar que tudo que é moderno é necessariamente certo. Conhecimentos tradicionais também têm que ser valorizados – aliados ao conhecimento científico.”
Uma mudança radical
Apesar de todos os benefícios que a troca de estilo de vida trouxe, a decisão da mudança não foi fácil. Sua mãe apoiou esse sonho, mas ela foi a única. “Para muita gente da minha família, eu sou a maluca, a doida que estava grávida e veio para cá ter filhos no meio do mato”, reconhece. “Mas aqui é uma delícia para quem gosta.”
As críticas e opiniões contrárias, no entanto, não lhe abalam. “Sempre fui uma pessoa meio fora da curva. Meu lema é: ‘Sem tempo, irmão’. Quero viver e fazer o que gosto. Tenho 36 anos hoje e daqui a pouco estou chegando na metade da vida, de acordo com as estatísticas. Quero poder viver.”
Odara sente que a experiência de morar na comunidade a transformou por inteiro. “Sei que sou outra pessoa comparada com antes. Mesmo sendo conectada com o meio ambiente desde sempre, ter a natureza em volta da gente tem um outro ritmo. Queria que todas as pessoas tivessem esse privilégio e pudessem dar uma desacelerada, que conseguissem viver o tempo das coisas como são e não do jeito que o mundo exige.”
Mesmo com desafios, fotógrafa celebra criação de dois filhos em comunidade isolada em Santa Catarina — Foto: Arquivo pessoalQuanto ao futuro, Odara sonha em morar em um sítio, ainda mais isolada. “Quero ser a senhora que mora em uma comunidade e as pessoas a visitam falando sobre estar com ‘dor de barriga’ ou que uma gestante procure ao entrar em trabalho de parto. Quero ser uma artista reconhecida na minha arte e ter meus quadros e séries fotográficas sendo vendidos, além de plantar minha comida e ervas.”
E reflete: “Para mim, o futuro é ancestral. Ao mesmo tempo que está nas mãos das crianças, nós precisamos olhar com urgência. Vivemos em uma emergência climática e em um momento tenso, no qual precisamos pensar em modos de viver, no destino do lixo e no consumo desenfreado. Precisamos entender que o futuro é sobre voltar e aprender com a nossa ancestralidade: termos cuidado com a terra, com a natureza e pensar em mais políticas públicas para essas comunidades.”
Fotógrafa teve sua segunda filha em comunidade afastada de centros urbanos e cita prazeres e desafios da maternidade em meio à natureza — Foto: Odara da FlorestaFonte: Revista marie claire

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