Apesar de ser mais comum em pessoas acima de 40 anos, quadro vem crescendo entre os mais novos
Em oito anos, os atendimentos ambulatoriais de crianças e adolescentes por diabetes tipo 2 cresceram 225% no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde referentes ao período de 2015 a 2023. No mesmo intervalo, no Estado de São Paulo, os números subiram cerca de 130%, de acordo com a secretaria estadual de Saúde.
Além dos casos já estabelecidos, muitos jovens podem estar em um estágio chamado de pré-diabetes, o que demanda atenção e medidas para evitar a progressão para o diabetes tipo 2.
O que é pré-diabetes?
O pré-diabetes é uma condição em que os níveis de glicose (açúcar) no sangue estão acima do normal, mas não altos o suficiente para serem classificados como diabetes tipo 2 – tipo mais comum da doença, que ocorre quando o corpo não consegue produzir insulina corretamente e as células se tornam mais resistentes à sua ação.

Aumento dos casos de pré-diabetes entre adolescentes está ligado ao avanço do sobrepeso e da obesidade nessa faixa etária Foto: New Africa/Adobe Stock
Características genéticas e o aumento do peso, principalmente da gordura visceral, levam a uma maior resistência do corpo à insulina, hormônio produzido pelo pâncreas que tem como função principal colocar a glicose dentro das células para gerar energia.
Em resumo, a gordura visceral leva à resistência, que por sua vez sobrecarrega o pâncreas, o qual precisa trabalhar em dobro para que a glicose seja processada. Essa sobrecarga acaba fazendo com que o órgão não consiga mais produzir insulina como antes. E é assim que o pré-diabetes se desenvolve: a partir de um mix de resistência à insulina, gordura abdominal em excesso e um pâncreas “cansado”.
Como resultado, sobra açúcar no sangue. “É preocupante, pois se caracteriza pelo risco aumentado para o desenvolvimento futuro de diabetes tipo 2, além de doenças cardiovasculares”, explica Tarissa Petry, endocrinologista do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
O pré-diabetes tem crescido entre os jovens?
Um relatório publicado na revista JAMA Pediatrics indicou que 28% dos adolescentes e jovens norte-americanos têm pré-diabetes. Segundo o estudo, em cerca de 20 anos, a prevalência do quadro entre pessoas de 12 a 19 anos mais do que dobrou.
No Brasil, assim como o diabetes, a condição também tem surgido cada vez mais cedo, afirma o médico Fernando Valente, diretor do Departamento de Diabetes Mellitus da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
Não à toa, a recomendação médica sobre quando investigar o quadro mudou. “A idade foi modificada de 45 anos para a partir dos 35, mesmo sem fator de risco”, diz.
Quando procurar um médico?
Pessoas com fatores de risco, como sobrepeso ou obesidade, síndrome de ovários policísticos e histórico familiar, devem realizar os testes antes dos 35 anos.
Segundo Valente, a triagem pode começar a partir de 10 anos de idade, caso a criança tenha excesso de peso e algum outro fator de risco associado.
Por que o pré-diabetes cresceu entre os mais novos?
O aumento dos casos de pré-diabetes entre os jovens está especialmente ligado ao avanço do sobrepeso e da obesidade nessa faixa etária, diz Valente. O principal vilão? Um estilo de vida com hábitos distantes do ideal.
“Cada vez menos as pessoas consomem salada, fruta sólida ou alimentos ricos em fibras, que poderiam reduzir os riscos”, exemplifica o médico.
O cardápio desequilibrado, repleto de ultraprocessados e refrigerantes, é apenas parte do problema. A queda na prática de atividade física também pesa na conta. O sedentarismo, aliás, é apontado como um dos principais gatilhos para o desenvolvimento precoce do pré-diabetes.
Além disso, o maior conhecimento do quadro e a busca por exames também podem estar repercutindo no crescimento dos diagnósticos.
Quais os fatores de risco para adolescentes?
Os riscos principais são ligados ao peso, genética ou presença de condições associadas à resistência à insulina.
Mas outro ponto de atenção vem antes mesmo do nascimento. Filhos de mulheres que tiveram diabetes gestacional têm maior chance de desenvolver excesso de peso e alterações no metabolismo ao longo da vida.
“E esse número também está crescendo. Um em cada cinco nascidos vivos é exposto ao excesso de açúcar ainda dentro do útero”, alerta Valente.
Sintomas comuns entre jovens
O pré-diabetes geralmente é assintomático, pois a glicemia ainda não está alta o suficiente para provocar manifestações clínicas. Assim, a maioria das pessoas só descobre a condição ao fazer exames de rotina.
Nesses casos, os critérios para o diagnósticos de pré-diabetes incluem:
- Glicemia de jejum entre 100 e 125 miligramas por decilitro (mg/dL);
- Hemoglobina glicada (exame que indica o nível médio de glicose no sangue nos últimos meses) entre 5,7% e 6,4%;
- Teste oral de tolerância à glicose (TOTG) com glicemia de 2h entre 140 e 199 mg/dL.
Além disso, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), alguns sintomas e sinais que indicam que o paciente já ultrapassou o estágio de pré-diabetes para diabetes tipo 2 são:
- Aumento da sede e da fome;
- Micção frequente;
- Fadiga;
- Visão turva;
- Dormência ou formigamento nas mãos e nos pés;
- Feridas que não cicatrizam;
- Infecções frequentes;
- Perda de peso não intencional.
Quais as dicas para a prevenção desde cedo?
Investir em alimentação saudável, atividade física regular e perda de peso pode normalizar os níveis de glicose e prevenir a progressão para o diabetes.
O endocrinologista Luciano Giacaglia, coordenador do Departamento de Diabetes Tipo 2 e Pré-diabetes da SBD, indica que é importante seguir uma alimentação com os principais macronutrientes e micronutrientes, como fibras, vitaminas e minerais.
As fibras, especialmente as solúveis, diminuem a velocidade de digestão e absorção dos alimentos, fazendo com que a glicose seja disparada de forma mais lenta no organismo. Com isso, além de colaborarem com o controle dos níveis de açúcar no sangue, também prolongam a sensação de saciedade, reduzindo o apetite.
Outra medida importante, diz Giacaglia, é a hidratação adequada, por isso deve-se estimular o consumo de água ao longo do dia.
Além disso, segundo a nutricionista Marlice Marques, coordenadora do Departamento de Nutrição da SBD, é recomendado cortar o consumo de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas, uma orientação que vale para toda a população.
A entidade recomenda ainda realizar 150 minutos semanais de atividade aeróbica de intensidade moderada, o que ajuda a reduzir o risco de progressão de pré-diabetes para diabetes.
A prática combinada de exercícios aeróbicos e resistidos também se mostra eficaz para reduzir os níveis de hemoglobina glicada, sendo recomendada para pessoas que vivem com diabetes tipo 2.
É possível reverter o quadro?
“Pré-diabetes pode ser reversível, especialmente quando diagnosticado precocemente”, aponta Tarissa.
De acordo com estudos, a diminuição de 5% a 10% do peso corporal já pode reduzir bastante o risco de evolução para a doença.
Nesses casos, Giacaglia ressalta que o termo mais adequado é “remissão”, não “cura”.
É que, apesar do controle dos níveis de glicose no sangue, quando uma pessoa desenvolve pré-diabetes, entende-se que ela já perdeu um percentual da função do pâncreas e das células beta pancreáticas, responsáveis pela produção de insulina.
Quais os tratamentos indicados?
O tratamento do pré-diabetes é baseado na modificação comportamental e, para alguns pacientes, inclui o uso de medicamentos.
A mudança de estilo de vida inclui alimentação adequada, perda de peso e prática sistemática de atividade física.
Segundo os especialistas, estudos indicam que pessoas que adotam intensivamente essas medidas podem reduzir em até 58% o risco de progressão.
Fonte: Estadão