Após uma recessão
brutal seguida de uma retomada tímida, é triste mas previsível que o padrão de
vida do brasileiro médio tenha caído. Mas por que os mais pobres também
sofreram tanto se o país já tinha uma rede de proteção com o Bolsa Família?
Um relatório recente da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a parcela mais pobre da população
sentiu a crise dobrada em relação à média geral dos brasileiros. Em 2015, auge
da recessão, a queda média da renda foi de 7%, enquanto a renda dos cinco por
cento mais pobres despencou 14%.
O problema deveria ter
sido mitigado com o Bolsa Família, que é dado a famílias com crianças de zero a
17 anos em situação de pobreza e extrema pobreza, ou seja, com renda per capita
abaixo de R$ 178 e R$ 89, respectivamente.
O valor mensal do
benefício varia de R$ 41 para famílias pobres a R$ 89 para as extremamente
pobres, mas nem todos que merecem estão recebendo; os relatos são de filas para
acesso e queda no número de beneficiários.
Os dados do Banco
Mundial mostram que o governo brasileiro foi incapaz de proteger os mais
pobres: em 2018, o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza chegou
a 13,5 milhões, o que representa uma alta de 4,5 milhões em relação a 2014.
É considerado em
situação de extrema pobreza quem dispõe de menos de US$ 1,90 por dia, o
equivalente R$ 145 por mês.
“O país entrou em uma
profunda crise que afetou a quantidade e a qualidade de empregos, o que gerou
desemprego e informalidade. Nesse momento, o governo deveria ter aumentado a
sua rede de proteção social, com o Bolsa Família, mas o caminho foi inverso”,
diz Marcelo Medeiros, um dos maiores especialistas do país em desigualdade,
hoje professor convidado na Universidade de Princeton.
Além de a cobertura do
programa não ter sido expandida durante os anos de recessão e lenta
recuperação, a renda familiar mensal per capita de R$ 178 e R$ 89 também não é
atualizada há quinze anos, desde 2004. “O governo deixou as pessoas caírem para
a pobreza”, diz Medeiros.
Dados disponíveis no
Ministério da Cidadania confirmam que não houve aumento significativo na
cobertura do Bolsa Família desde o início da crise em 2014.
Além disso houve as
perdas reais no valor do benefício do programa, que não foi corrigido segundo à
inflação em 2015 (quando a taxa passou de 10%) e em 2017 (já com inflação
menor).
A
conta chega
Mesmo com a lenta
recuperação econômica e a expansão da população pobre, no ano passado o
governo desligou 900 mil famílias do Bolsa Família, segundo estimativa do FGV
Social.
Mensalmente, equipes do
Ministério da Cidadania estão fazendo um pente-fino para identificar
beneficiários que não estão mais dentro das regras estabelecidas. Especialistas
sustentam, no entanto, que como as rendas estão defasadas e o programa é
eficiente e focado, isso não deveria ser prioridade.
O custo do Bolsa
Família para o Orçamento da União é de 0,4% do PIB. Só a previdência é 14%. Ou
seja, economizar nesse serviço social vai permitir uma poupança pequena, que
vai recair com muita força em cima dos pobres”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV
Social. Nesse ano, o orçamento previsto para o programa é de R$ 29,5 bilhões,
valor que não difere dos anos anteriores.
A conta já chegou:
dados do jornal O Estado de S.Paulo mostram que a fila de brasileiros que
esperam pelo Bolsa Família chega
a 3,5 milhões de pessoas, o que representa 1,5 milhão de famílias de baixa
renda.
O gargalo tem provocado
um princípio de colapso na rede de assistência social de municípios, sobretudo
os pequenos e médios. Sem o dinheiro do programa, a população voltou a bater à
porta das prefeituras em busca de cestas básicas e outros tipos de auxílio.
“Estamos de volta a um
cenário onde os municípios precisam dar assistência básica, algo que
imaginávamos que não iriamos ver mais”, diz à EXAME o senador
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator na comissão mista da medida provisória
898/19, que torna permanente o 13º do Bolsa Família.
Em nota, a Defensoria
Pública da União, responsável por atender famílias que não conseguem o
benefício, afirmou que enviou um ofício ao Ministério da Cidadania esta semana,
solicitando informações sobre os motivos do aumento da fila dos beneficiários
do Bolsa Família.
Impasse
Diante da ausência de
respostas ou propostas do governo federal para o problema da pobreza, deputados
e senadores começaram a se mexer. O objetivo principal é garantir, ao menos, a
obrigação de reajuste compatível com a inflação.
Desde o ano passado,
também está em discussão na Câmara dos Deputados um pacote social que
reformularia a rede de proteção com pouco impacto fiscal. A iniciativa foi do
presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que designou à deputada Tabata
Amaral (PDT-SP) a coordenação do projeto.
Um dos pilares é
colocar o Bolsa Família na Constituição Federal para evitar que o programa seja
moeda de troca política. Outro estudo, também do FGV Social, mostra que os
benefícios do programa são ampliados justamente em anos pares, quando ocorrem
eleições municipais ou federais.
Outra discussão se dá
no âmbito da já citada MP 898/19, que teve sua votação adiada pela quinta vez
nesta semana por falta de entendimento sobre as modificações feitas pelo
relator. Na versão original enviada pelo governo, a MP garantiu o 13º do Bolsa
Família apenas em 2019.
Randolfe Rodrigues,
contudo, propõe que o benefício extra vire permanente e seja estendido para o
Benefício de Prestação Continuada (BPC), valor de um salário mínimo pago a
idosos de baixa renda e portadores de deficiência.
O governo federal
também já sinalizou que poderia anunciar mudanças no programa que incluiriam
“meritocracia” e a mudança do nome. Manter o que existe funcionando bem já
seria um ótimo começo.
Fonte: Revista Exame / Com informações
Jornal O Impacto