Por que os EUA estudam banir o TikTok do país?

O governo americano diz que o aplicativo pode estar roubando dados dos usuários e enviando para o governo chinês. O caso reflete a desgastada relação diplomática entre os países. Entenda. 


As complicadas relações diplomáticas do século 21 estão se materializando de maneira cada vez mais inusitada. Dessa vez, o alvo da polêmica é o TikTok, uma das redes sociais mais populares dos últimos

Na última segunda (06), Mike Pompeo, Secretário de Estado dos EUA (cargo equivalente ao nosso ministro das Relações Exteriores), disse em entrevista à Fox News que o país estuda banir o aplicativo de seu território. “Eu não quero passar na frente do presidente [Donald Trump], mas é algo que estamos considerando”, relatou.

O motivo de tudo isso é diplomático: a rede social TikTok nasceu na China, e há a preocupação de que os dados dos usuários possam estar sendo enviados para o governo de lá, tudo isso enquanto a relação entre os dois países está cada vez mais deteriorada, especialmente após a pandemia de Covid-19.

Se você está por fora do mundo tecnológico, o TikTok é uma rede social em que os usuários gravam, editam e compartilham vídeos curtos em seus perfis. É especialmente popular entre os jovens, e já acumulou mais de 2 bilhões de downloads desde que foi lançada, no final de 2016 – foram 315 milhões apenas nos três primeiros meses de 2020. A empresa por trás do enorme sucesso é a ByteDance, uma companhia privada com sede em Pequim, na China.

Desde o ano passado, porém, o aplicativo vem sendo alvo de denúncias sobre sua política de privacidade – algo comum com várias redes sociais nos últimos tempos, principalmente após o escândalo da empresa Cambridge Analytica, que utilizou indevidamente os dados de usuários do Facebook para fins de propaganda eleitoral. Mas a preocupação com o TikTok tem um quê a mais: o receio de que os dados dos usuários possam estar sendo gravados e enviados para o governo chinês. Essa possibilidade levou até senadores americanos a publicamente pedirem uma investigação mais profunda sobre o aplicativo, alegando preocupações sobre a segurança nacional.

Especialistas independentes já apontaram que sim, o TikTok coleta dado de seus usuários – mas praticamente todas redes sociais e apps fazem isso para uso próprio. Inclusive, os dados que são coletados estão listados nos termos de uso que o usuário deve ler e aceitar ao baixar o aplicativo. Nesse mesmo contrato, a empresa diz que essa base de dados é usada para “atender solicitações de produtos, serviços, funcionalidades da plataforma, suporte e informações para operações internas, incluindo solução de problemas, análise de dados, testes, pesquisas, estatísticas para propósitos de pesquisa e para solicitar seu feedback”.

Mas alguns fatores específicos fizeram com que o Ocidente ficasse de olho no app. No começo de 2020, falhas no segurança do aplicativo foram identificadas por uma empresa de segurança digital. Os erros facilitavam o acesso de hackers aos dados de usuários e até a tomada de controle de contas de terceiros. A rede social corrigiu o erro assim que foi divulgado.

Mais recentemente, uma outra polêmica envolvendo o aplicativo nasceu após o lançamento da versão beta do iOS 14, o novo sistema operacional da Apple. Isso porque o iOS 14 tem uma funcionalidade nova, que mostra quando um aplicativo tem acesso à área de transferência de seu celular, onde fica armazenado o texto que você copia para depois colar. Mais de 50 aplicativos foram pegos no flagra tendo acesso a essa funcionalidade, sem motivo aparente – e sem avisar o usuário. O mais renomado deles era o TikTok. 

Análises subsequentes mostraram que o aplicativo provavelmente só estava “lendo” o que estava copiado para fins internos, mas que não conseguia de fato armazenar aquelas informações ou compartilhar. Recentemente, a empresa deu uma explicação: a funcionalidade existe, e seu objetivo é evitar posts de spam repetitivos. Contudo, como as preocupações sobre privacidade estavam em alta, a plataforma retirou o recurso.

TikTok e o governo chinês

De qualquer forma, as suspeitas sobre o aplicativo permaneceram – apesar de não haver nenhuma prova de que o TikTok esteja de fato roubando dados dos usuários e os enviando para a China, como algumas teorias dizem. A própria empresa já se distanciou bastante dessa narrativa e negou diversas vezes que tenha alguma relação com o governo chinês. 

Em uma nota divulgada ano passado, a empresa disse: “Armazenamos todos os dados dos usuários americanos do TikTok nos Estados Unidos, com backup em Cingapura. Nossos centro de dados estão localizados totalmente fora da China e nenhum está sujeito às leis chinesas. Vamos ser bem claros: o TikTok não remove conteúdos com base em preocupações da China. Nunca fomos solicitados pelo governo chinês a remover qualquer conteúdo, e não o faríamos se solicitado. Ponto final.”

De fato, o aplicativo TikTok não opera diretamente da China – apesar da empresa responsável por ele ser sediada em Pequim, o produto “TikTok” é feito especialmente para o mercado exterior. Por lá, inclusive, utiliza-se uma outra versão do aplicativo, chamada Douyin. Segundo representantes da empresa, os aplicativos são mantidos de forma independente, com “mercados, usuários, conteúdos, equipes e políticas” diferentes.

Além disso, o TikTok vem tentando se afastar cada vez mais do governo chinês após as suspeitas dos EUA. Recentemente, o aplicativo anunciou que vai parar de operar em Hong Kong em resposta à implementação da nova lei de segurança imposta pela China, que aumenta o poder do país na região. A decisão foi vista como uma forma de se afastar do controle chinês e mostrar que a empresa é totalmente independente do regime comunista.

Mesmo assim, não está claro se será suficiente. Na entrevista em que afirmou que o TikTok pode ser banido, Mike Pompeo disse que só deve baixar o aplicativo quem queira que “suas informações privadas  fiquem nas mãos do Partido Comunista Chinês”. Os ataques não vieram do nada: a desconfiança com o app faz parte de um cenário maior, em que a relação de China e Estados Unidos, as duas maiores potências do mundo, está se desgastando cada vez mais. Mesmo antes da pandemia os dois países disputavam uma guerra comercial e se estranhavam devido as claras diferenças de regime. Com o novo coronavírus, as tensões se acirraram, especialmente por parte do presidente Donald Trump, que já se referiu a doença como “gripe chinesa” diversas vezes e criticou o país por ser o local de surgimento do vírus.

Para além da briga com os EUA

O TikTok não protagoniza somente a disputa entre as duas maiores economias do mundo, mas também entre as duas nações mais populosas da Terra. Na semana passada, o governo da Índia anunciou que vai banir definitivamente vários aplicativos chineses do seu território (incluindo o TikTok), alegando que eles são “ameaças à soberania e integridade do país.” A notícia surpreendeu a empresa, já que a Índia representava o maior mercado para o serviço devido à grande população.

A medida foi vista como de grande teor político na medida em que a relação entre os vizinhos se desgasta mais e mais. No começo do mês, houve um confronte direto entre militares chineses e indianos na região fronteiriça dos Himalaias, que deixou 20 soldados indianos mortos (a China não divulgou se houve óbitos de seu lado). Na decisão, o governo indiano não citou motivos políticos, mas sim a preocupação com a privacidade dos dados dos usuários semelhantes às expressas por autoridades americanas.

Como se não bastasse isso, o TikTok também está sob a mira de outro país, por conta de desentendimentos políticos com a China. Na Austrália, alguns políticos também pedem a proibição do aplicativo pelos mesmos motivos de segurança – embora também haja um fundo diplomático na medida.

As relações entre China e Austrália estão em crise desde que o país da Oceania começou a liderar um esforço para instaurar uma investigação independente sobre a resposta da China à Covid-19. Por diversas vezes, o governo australiano criticou a postura do governo chinês e o acusou de censurar e esconder do mundo informações importantes sobre o problema no início da pandemia, o que poderia ter evitado uma crise maior.

Isso levou os dois países a trocarem farpas em forma de medidas, como maiores taxas em importações de um país para o outro. A Austrália chegou ao ponto de avisar seus cidadãos que era perigoso viajar para a China nesta época por medo de retaliação devido à tensão diplomática entre os países. Recentemente, a China fez o mesmo alerta para seus cidadãos.

Revista Super Interessante 




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