Alunos do ensino
médio voltaram às escolas em 10 de agosto. “Estou meio com medo ainda. Tem
gente morrendo. Não queria voltar, não”, diz o estudante Felipe dos Santos
Laboratório da volta
às aulas presenciais no Brasil, o Amazonas atravessa a segunda semana da
reabertura das escolas com ao menos 10% dos professores da rede pública
estadual com testes positivos para o novo coronavírus. A informação é da
Fundação de Vigilância em Saúde do Estado, que fez a testagem rápida com 1.064
profissionais da educação em atividade nos colégios nesta semana: 342
resultaram positivo, 104 deles, ou quase 10%, com o vírus ainda ativo.
Os números acenderam
de vez os alarmes dos críticos do plano do governador Wilson Lima (PSC) de ser
o primeiro no país a reabrir as escolas para 106.294 mil alunos em 123 escolas
em Manaus, pouco mais de três meses após o pico da pandemia e o colapso do
sistema de saúde. Os dois principais sindicatos que reúnem docentes e
servidores da educação amazonenses, Asprom Sindical e Sinteam, dizem que a
Secretaria da Educação está ignorando denúncias de casos nas escolas e mantendo
os estabelecimentos funcionando. Apesar dos protestos, o Sinteam descartou, por
ora, declarar greve em assembleia na quarta-feira.
“A Seduc não está
cumprindo a determinação de quarentena por 14 dias, dependendo do caso, o
afastamento é autorizado por somente 7 dias”, afirma a presidente da Asprom
Sindical, Helma Sampaio. A dirigente também diz que a secretaria não vem
seguindo seu próprio protocolo oficial que recomenda afastar todos os que
tiveram contato com o contaminado. “Isso é jogar com a vida das pessoas”,
segue. De acordo com Sampaio, a fiscalização do sindicato foi barrada em três
unidades na quarta-feira, após a divulgação dos resultados dos testes rápidos
em massa.
Se manteve as escolas
abertas, a gestão de Wilson Lima recuou num ponto: adiou a retomada das aulas
presenciais do ensino fundamental, prevista para a última segunda-feira. O
motivo é que 40% das escolas ainda aguardam aprovação do protocolo de segurança
pela autoridades. A reabertura para os menores dobraria o número de alunos em
sala de aula na capital, que tem 2 milhões de habitantes. Já Prefeitura de
Manaus decidiu adiar a volta às aulas da sua rede de ensino fundamental, com
242.000 alunos, para o ano que vem.
O estudante Felipe Rodriges dos Santos que cursa o 2º Ano do
ensino médio na Escola Estadual Gilberto Mestrinho, em Manaus
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“Eu estou meio com
medo ainda. Tem gente morrendo. Não queria voltar, não”, conta o estudante
Felipe Rodrigues dos Santos, 16 anos, aluno do 2º ano da escola Estadual
Gilberto Mestrinho. “Na escola os professores estão mandando se distanciar, mas
na hora do intervalo os alunos ficam todos juntos”, diz o rapaz.
A família afirma que
Felipe adotou um comportamento mais quieto e reservado durante a
quarentena por medo do contágio. De volta às classes desde a semana passada, o
estudante gostou da instalação de pias na parte externa da escola, uma vez que
ele evita ir ao banheiro por ser “sujo e fedido”. “Eu nunca vou, só quando
estou muito apertado”, afirma.
A estudante do 3º
ano, Daniele Lima, de 17 anos, fala de medo de contágio, mas também está
preocupada com o atraso no aprendizado: “Eu tenho medo de contaminação, porém
acho bem justo o retorno das aulas até porque tem muita coisa menos necessária
aberta e super lotada”. Sem celular ou notebook, Daniele está acompanhando as
aulas remotas, que seguem em paralelo com as presenciais, pelo celular da mãe.
O problema é que só pode fazê-lo após às 21h, quando ela chega do trabalho.
Daniele chegou a se inscrever para o Enem para tentar entrar em
faculdade de Direito, mas considera não fazer a prova em fevereiro por não se
sentir preparada. “Está todo mundo bem atrasado em relação ao conteúdo do
primeiro e segundo bimestre.”
O questionamento
sobre a efetividade do ano letivo não é só dos alunos, mas também dos
professores. De acordo com Eudes Melo, de 48 anos, responsável por ministrar a
disciplina de sociologia em três escolas da rede estadual, com a dinâmica de
rodízio adotada ―aulas às segundas e quartas para um grupo e terças e quintas
para outro (as sextas-feiras são destinadas ao planejamento e preparo das
aulas)—, os alunos precisam de 16 dias para completar o conteúdo equivalente a
uma semana de aula. “A quem interessa esse retorno em um contexto de pandemia
ainda não controlada sendo que ele não é eficaz para o aprendizado?”,
questiona.
O argumento do
secretário Educação do Amazonas, Luis Fabian, rebatido por Melo e por pais
ouvidos pela reportagem, é o de que a retomada das aulas presenciais é
necessária para que os alunos da rede pública tenham as mesmas oportunidades
dos estudantes da rede privada, cujas aulas presenciais iniciaram em 6 de
julho.
Modelo da Finlândia e cenário volátil
A escola em que
Daniele estuda, Roderick Castello Branco, não possui tapete para higienização
nem papel higiênico no banheiro masculino, um fato confirmado pela fiscalização
de um dos sindicatos. A Secretaria da Educação, no entanto, informa que todas
as unidades receberam os kits de higiene, com tapetes sanitizantes, e que as
equipes de limpeza foram reforçadas em 50%.
O protocolo para
minimizar os contágios na rede pública foi inspirado nas práticas de um dos
mais renomados grupos educacionais privados do Amazonas, as Instituições Nelly
Falcão de Souza (INFS). A gestora Nelly Falcão, que batiza o grupo, foi
convidada a compor o comitê que ajudou a planejar o retorno das aulas, mas
admite que para seguir o detalhado plano que ela traçou, inspirado a Finlândia,
é preciso recursos e constância: na entrada, os alunos têm dois tapetes sanitizantes
à disposição e lavatório móvel. Em seguida, passam pelo termômetro medido de
temperatura e são direcionados ao dispenser de álcool em gel. A coordenadora,
então, chama pelo nome um a um dos alunos, evitando que ignorem o procedimento.
O protocolo de Nelly
Falcão também inclui que os sapatos fiquem do lado de fora da sala. Os alunos
só entram com meia ou se levarem outro sapato só para esta finalidade.
Sinalização clara, cartilha informativa ―em papel e digital― além de
aconselhamento psicológico para alunos, familiares e colaboradores integram o
pacote de cuidados. Por opção, os alunos que quiserem, podem continuar a
estudar somente em casa. A transmissão é feita por meio de plataforma virtual,
no mesmo horário de aula pelos mesmos professores que lecionam presencialmente.
A possibilidade de
seguir estudando em casa também existe na rede estadual. Os pais podem mandar
uma carta de próprio punho declarando que não se sentem seguros, mas o problema
é que não terão acesso ao mesmo conteúdo, já que as aulas gravadas não
contemplam o programado para a sala de aula. Os professores da rede estadual
Marcelo Rodrigues e Eduardo Prata, membros do Coletivo Escola Família Amazonas
(Cefa), grupo independente que discute educação, criticam que um esquema 100%
remoto não tenha sido pensado, mesmo com 27,28% dos alunos se declarando
pertencentes a algum grupo de risco em pesquisa via Google feita pela própria
Secretaria de Educação.
Já a favor da volta
às aulas, está o argumento sobre a situação de vulnerabilidade dos alunos fora
da escola. Nelly Falcão conta que também administra uma creche municipal no
bairro Redenção, zona centro-oeste, por meio de convênio com a Prefeitura de
Manaus, e que decidiu retomar as atividades no local há duas semanas, por conta
própria. “Eu assumi os riscos e os custos e todas as crianças seguem super bem
o protocolo. Foi uma decisão baseada na necessidade das pessoas: na hora da
merenda, você vê o que é a fome”, afirma. As mais de cem crianças atendidas
são, segundo ela, filhas de mães domésticas em sua maioria. “Agora que as
coisas estão voltando, elas precisam ter com quem deixar”, completa.
No caso de sua
experiência no seu grupo privado, com 468 alunos, a professora diz que tem
motivos para comemorar: “Em todo esse período, tivemos dois casos de alunos que
tiveram casos na família. Suspendemos toda a turma para realmente não
disseminar. Isso está no protocolo”, afirma Falcão.
Alta de mortes em Manaus
O pesquisador Jersem
Orellana, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é cético, no
entanto, quanto à efetividade dos protocolos de segurança ―no mundo, várias pesquisas
começam a medir os contágios na volta às aulas e na aglomeração de crianças,
com diferentes resultados. “E os casos assintomáticos? Na verdade, a covid-19,
na maioria das vezes, é assintomática nas crianças. Podem ter crianças que
tenha se infectado e, no entanto, passou despercebido, uma vez que não
apresentou sintomas”, afirma o epidemiologista.
A principal
preocupação de Orellana é sobre o timing da retomadas das aulas.
Levantamento feito pelo epidemiologista aponta que a decisão de reabrir as
escolas ocorreu em um contexto de aumento do número de mortes por covid-19 na
cidade. De acordo o especialista da Fiocruz, houve uma alta de 73% no número de
novas mortes por covid-19 na capital amazonense na semana anterior à retomada
das aulas. Entre 5 a 11 de agosto foram registradas registradas 19
mortes, contra a média de 11,6 nas três semanas anteriores, de acordo
com dados da Fundação de Vigilância em Saúde.
O especialista teme
que o aumento seja o prenúncio de uma nova onda de mortalidade. Até o dia 26,
3.595 morreram em decorrência da doença em Manaus. Entre crianças e jovens de 1
a 18 anos, esse número é de 10.463 casos e 331 óbitos até a última atualização,
em 17 de agosto. “Não podemos achar normal que toda semana morram 15 em Manaus
e adotar o retorno às aulas”, afirma o epidemiologista da Fiocruz.
A Secretaria de
Educação afirma que todo o plano aconteceu com o aval da vigilância sanitária
do Estado, “após um extenso trabalho de monitoramento da covid-19 em Manaus e
onde foi constatada uma estabilização da doença”. Sobre um possível aumento nos
índices de contaminação, o Governo estadual afirma que “as aulas presenciais
poderão ser suspensas” a qualquer momento, se isso se confirmar.
Com Informações Brasil El Pais
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