Um dos principais
símbolos do cerrado brasileiro, o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) já
habita o Espírito Santo bem antes de virar símbolo da cédula mais valiosa no
Brasil. Alguns animais já foram vistos em unidades de conservação do sul
do Estado e o primeiro registro foi, segundo o Instituto Estadual de Meio
Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), em 2003, no município de Afonso Cláudio.
Por ser
característico do cerrado, o lobo-guara é uma espécie invasora para o
bioma Mata Atlântica e tem sido localizado com certa frequência, há poucos
anos, nos municípios do sul do Espírito Santo, como Presidente Kennedy,
Cachoeiro de Itapemirim, Itapemirim, Alegre e Região do Caparaó.
“Há pelo menos cinco
anos que ouço pessoas comentarem sobre a existência do lobo-guará
no Estado. Pelo que parece, devido ao desmatamento do cerrado, ele
chegou ao Espírito Santo por meio do Estado de Minas Gerais,
adentrando pela região do Caparaó, expandindo o território para outros
municípios do sul do Estado. É um animal que está expandindo território, pois
tem sido alvo constante de produtores rurais e viu seu território ser tomado
pelo agronegócio. Assim, está saindo do ambiente dele, o cerrado, pampas e
campos sulinos para habitar outros ambientes”, explica o biólogo Helimar
Rabello, especialista em Gestão Ambiental
e Agroecologia, mestre em engenharia sanitária e ambiental. O mesmo
fato se deu com as siriemas, que também têm origem no cerrado, mas
chegaram até o Espírito Santo afugentadas pelo desmatamento do habitar natural.
Ele conta que três
lobos-guarás já foram encontrados mortos devido a atropelamentos no Caparaó, em
Presidente Kennedy, e no município de Itapemirim. “Ele tem sido muito
visto na região da usina Paineiras, em Itapemirim. A região, para o lobo-guará,
pode ser entendida como um grande cerrado, pois não há mais mata. Em
Presidente Kennedy, tem sido visto pelos quintais de algumas casas,
perto da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Mata do Macuco,
reconhecida pelo Iema”, informa.
Lendas
Ao ser avistado em
quintais das casas, surgiram lendas como a do lobisomem no sul do Estado.
“Surgiram boatos de lobisomem e se tratava do lobo-guará. Ele é um animal com
um metro e vinte de comprimento e um metro e trinta de altura no dorso. O
lobo-guará tem o hábito de ficar em pé, nas duas patas traseiras, para
conseguir alcançar algum fruto em árvores, daí parecem ser muitos maiores do
que realmente são. Provavelmente, os moradores o avistaram nessa posição e
remeteram a um lobisomem”, associa o biólogo.
Ele ressalta que o
lobo-guará não é uma espécie exótica porque é nativa do país, mas é uma espécie
invasora para o bioma Mata Atlântica. “Como o bioma Mata Atlântica foi
desmatado, as áreas onde antes eram florestas agora são pastagens e campos, tal
qual o bioma cerrado. Isso favorece o lobo-guará”, ressalta.
Quanto a ser
prejudicial por estar habitando o Espírito Santo, Helimar Rabello
pondera: “O lobo-guará não é um animal agressivo, muito pelo contrário, é
extremamente tímido, arredio e não ataca. Ele não anda em matilha, tal qual os
lobos, é solitário e, no máximo, anda em forma de casal, pois é um animal
monogâmico. É um dos raríssimos casos de mamíferos monogâmicos. Não tem
parentesco nenhum com os outros lobos. Ele é um parente distante do
cachorro-vinagre. Onde ele estiver habitando, irá competir com outros
predadores de roedores, como de pequenas aves terrestres, répteis e anfíbios,
mas ele também se alimenta muito de frutos, então, é um ótimo dispersor de
sementes, inclusive ele é conhecido como ‘semeador de árvores’, ajudando no
reflorestamento”.
Onívoro
O canídeo se alimenta
de pequenos roedores e aves, como uru-capoeira e perdizes, mas 60% de sua
alimentação é formada por frutas, pois é onívoro. Uma das características do
lobo-guará é se alimentar de plantas da família jurubeba-grande. Helimar
Rabello informa que no distrito de Rive, no município de Alegre, em Mimoso do
Sul, e no interior de Presidente Kennedy, está tendo incidência de
jurubeba-grande. “Ele está espalhando essa planta nas terras em
processo de desertificação e isso vai melhorando o solo, atrai aves e ajuda no
processo de recuperação das áreas. O lobo-guará anda até 30 quilômetros em um
dia e é um grande dispersor de sementes”, afirma.
Classificado pelo
Ministério do Meio Ambiente como “espécie vulnerável” em uma lista de animais
ameaçados de extinção, o lobo-guará é considerado inimigo por muitos
proprietários de áreas rurais e, com frequência, o animal é morto a tiros.
Outro risco está nas rodovias, pois vários são os registros de atropelamento
dos canídeos.
Em termos de unidades
de conservação, o canídeo tem sido visto no entorno de algumas, como é o caso
da RPPN Mata do Macuco, em Presidente Kennedy, e no Monumento Natural Serra das
Torres (Monast), no município de Mimoso do Sul.
“Tenho alguns alunos
que moram na região do entorno do Monast e eles têm visto o lobo-guará por lá.
A RPPN Mata do Macuco é próxima ao Monast e isso explica a correlação”, situa
Helimar Rabello.
Quanto ao fato de o
canídeo estampar a cédula de duzentos reais, o biólogo aprova. “Já colocaram a
garoupa na nota de cem reais e ela não é endêmica só do nosso País, pois existe
no Oceano Atlântico inteiro, então, por que não colocar o guará que, apesar de
lobo, não come vovozinha, não sopra a casa dos Três Porquinhos, não come
criança, é um bicho manso, muito bonito, símbolo de uma região enorme do nosso
país, que é o cerrado, e que possui um fantástico papel ecológico. Entre ele e
a garoupa, ele é muito mais importante”, defende.
Iema
Para o Iema, as
principais ameaças enfrentadas pelos lobos-guarás estão associadas à redução e
alteração de seus habitats causada pela expansão de áreas agrícolas e urbanas,
caça, atropelamentos, além da introdução de espécies domésticas em áreas
naturais, como os cães, e doenças associadas, o que têm causado severas
reduções populacionais. A espécie foi classificada como “quase ameaçada”
pela União Internacional para Conservação da Natureza, também conhecida pela
sigla IUCN.
“Dentre as ações de
conservação, podemos citar a realização de pesquisas que auxiliam no
conhecimento sobre a espécie, medidas de manejo e de conservação ex situ, além
de campanhas de sensibilização e de educação ambiental. Ações educativas
são muito importantes devido às situações de conflito geradas pela predação de
criações domésticas pelos lobos”, considera a agente de Desenvolvimento
Ambiental e Recursos Hídricos do Iema, Savana de Freitas Nunes.
Ela informa que
existe um Plano de Ação Nacional para a Conservação de espécies de Canídeos,
dentre elas, o lobo-guará, coordenado pelo Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Esse plano contempla ações
para a promoção de conectividade e manutenção dos ambientes, como também a
redução dos impactos negativos provocados por doenças, animais domésticos e
pela malha viária, além da redução da perda de indivíduos devidos aos conflitos
e falta de educomunicação.
“O Plano do ICMBio
tem vigência até 2023. No Espírito Santo, um espécime foi depositado no Museu
Elias Lorenzutti, em Linhares. Ele foi coletado em 2003 e tinha sua localidade
registrada para o município de Afonso Cláudio. Outros registros da presença do
lobo-guará também foram feitos recentemente em municípios da região sul do
Estado. Uma possível explicação para a sua ocorrência no Espírito Santo é a
expansão de sua distribuição geográfica atribuída ao desmatamento da Mata
Atlântica, já que é uma espécie adaptada a ambientes abertos”,
aponta Savana de Freitas Nunes.
Saiba mais:
- O lobo-guará é uma
espécie de canídeo endêmico da América do Sul e o único integrante do
gênero Chrysocyon. Provavelmente, a espécie vivente mais próxima é o
cachorro-vinagre. Ocorre em savanas e áreas abertas no centro do Brasil,
Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia, sendo um animal típico do cerrado.
- Guará, em tupi,
significa avermelhado, o nome científico é Chrysocyon brachyurus, que
quer dizer “animal dourado de cauda curta”.
- O lobo-guará não é
um animal agressivo, muito pelo contrário, é extremamente tímido, arredio e não
ataca humanos. É um dos raríssimos casos de mamíferos monogâmicos. Ele não tem
parentesco algum com os outros lobos.
- Tem o importante
papel ecológico de manter algumas espécies frutíferas. É um excelente
controlador natural de pragas porque come roedores, apesar de sua dieta ser 60%
composta por frutas. Controla a população de roedores que trazem doenças. No
cerrado, é um dispersor de frutas como lobeira (fruta-de-lobo ou
guarambá), uvaia, cagaita e pequi.
Assessoria de Comunicação Seama/Iema