Alterações no sono e no comportamento também podem aparecer
O
isolamento social – medida adotada para combater a propagação do novo
coronavírus – pode trazer alguns prejuízos no desenvolvimento da fala e
linguagem das crianças obrigadas a ficar em casa devido à pandemia, alertam
especialistas. “Principalmente pela falta de estímulos ambientais e sociais que
estavam anteriormente expostas, como por exemplo, na escola, saída com amigos e
passeios em família”, explica a fonoaudióloga e especialista em linguagem
Lilian Papis.
Mesmo
com a reabertura das escolas, muitos pequenos mantiveram sua rotina em casa com
os pais trabalhando em home office ou sob os cuidados de outros adultos. Agora,
com as férias escolares e o aumento do número de casos de covid-19, muitos
pequenos voltarão a ficar exclusivamente em casa o que deve
aumentar o uso de aparelhos eletrônicos como tablets, celulares ou
computadores para distrair e entreter as crianças que acabam ficando privadas
da comunicação verbal.
“Pode
começar a haver atrasos no desenvolvimento oral, como também gráfico,
dificuldades auditivas, tanto periféricas, pelo alto volume ou uso excessivo de
fones de ouvido, como também de atenção e concentração e processamento auditivo
central”, aponta a fonoaudióloga.
Os
meses de quarentena em casa provocaram mudanças nos hábitos até mesmo das
crianças que não tinha uma rotina escolar, pois os parques, clubes, praças e
áreas de lazer foram fechados para evitar aglomerações.
É o
caso do filho da zootecnista Paula Amano Yoshisato, Roberto, de 2 anos e meio.
Ela conta que os planos eram que Roberto começasse a frequentar a escola este
ano, mas, com a pandemia, ele continuou em casa, aos cuidados da mãe, em tempo
integral. “Tínhamos mais contato com outras pessoas e área externa. Agora, ele
quer ficar mais tempo em eletrônicos.”
Paula
conta que, com a falta de convívio com outras pessoas e crianças, o filho
deixou de falar as poucas palavras que já conhecia. Segundo os médicos e
fonoaudiólogos, é um processo comum a crianças nessa idade que precisam de estímulos
corretos para voltar a falar.
A mãe
tem se esforçado para diminuir os efeitos negativos do isolamento no garoto.
“Tenho estudado mais sobre atividades, como brincar com tinta, piscina, areia,
hortinha”, conta Paula.
Na
avaliação da fonoaudióloga Lilian Papis, crianças que estão começando a falar,
por volta de 1 ano ou que estão em pleno desenvolvimento de fala e
linguagem, entre os 2 ou 3 anos, devem ser diariamente estimuladas
através dos cinco sentidos, audição, visão, tato, olfato e paladar.
“É
primordial cantar músicas, brincar com miniaturas, fantoches, contar histórias,
nomear figuras ou pedir para que as repita, falar frases relacionadas ao que
estão comendo, apresentar diferentes sabores ao seu paladar e estimular o
olfato através do cheiro da comida, frutas; imitar sons de animais, meios de
transporte, objetos eletrodomésticos, brincar de fazer caretas, mandar beijos,
estalar a língua também ajudam muito”, enumera Lilian.
Retrocessos
A
supervisora de vendas Leandra Paula Lago diz que percebeu que o filho Raul, de
3 anos, ficou muito ansioso nos primeiros meses da pandemia. “Ele ficou
irritado e com necessidade de chamar a atenção dos pais, pedindo para ficar no
colo enquanto trabalhávamos, tentava desligar nossos computadores, gritava. Na
fala houve alterações, pois o estímulo escolar foi interrompido, então percebi
que ele ficou com várias dificuldades, até mesmo no desfralde que foi
interrompido”, relata.
“Já
tinha percebido, antes mesmo da pandemia, que os colegas da escola [estavam]
sempre na frente e ele com muitas dificuldades em se comunicar. Com a pandemia
e encerramento das aulas, piorou muito.”
Raul
começou a fazer tratamento com a fonoaudióloga em abril e a mãe logo percebeu
uma evolução. “Hoje ele ainda não se comunica como uma criança da idade dele,
mas já melhorou muito. Retornei o processo de desfralde com isso. Fazíamos [o
tratamento com a fonoaudióloga] on-line e agora estamos presencial”,
relata.
Atualmente
ela está oferecendo outros estímulos para a criança. “Estou lendo bastante com
ele, brincando mais junto e evitando celular. Claro que, no horário de
trabalho, fica complicado não dar o celular para ele, senão ele nos atrapalha,
mas com novos brinquedos estamos conseguindo mantê-lo mais calmo”, completa
Leandra.
Mesmo
sem o convívio escolar, as brincadeiras em casa devem estimular a fala,
recomenda a fonoaudióloga Lilian Papis. “Em casa as crianças precisam ser
estimuladas todos os dias, pelo menos uma hora, com os pais ou responsáveis a
brincar, cantar músicas, falar, estabelecer diálogos, conversar”, destaca a
especialista.
“Para
as crianças em fase de alfabetização, incentivar também brincadeiras que
envolvam reconhecimento e nomeação das letras, relacionando-as com seus sons,
brincar com rimas, memória auditiva, memória visual, quebra-cabeças, dama,
xadrez, jogos que requeiram a atenção, como também a escrita das letras,
sílabas e palavras. Para os maiores, além de tudo isso, acrescentar leitura de
textos, livros, gibis, escrita de pequenos textos, jogos como forca, stop,
caça-palavras, palavras cruzadas, dentre outros”, elenca Lilian.
Avanços
Já com
Samuel, 4 anos, o processo de isolamento não trouxe retrocessos na fala, ao
contrário, o vocabulário aumentou, surpreendendo a mãe, Danielle Pereira
Mateus.
Antes
mesmo da pandemia, o menino já fazia acompanhamento com fonoaudióloga e
psicóloga porque, na escola, batia nos amigos. “Procuramos uma psicóloga e ela
notou que ele tinha um atraso de linguagem, como não conseguia se comunicar
direito, batia nos amigos, era a maneira dele se comunicar. Começamos um
trabalho com a fonoaudióloga em julho do ano passado, quando a gente ainda nem
pensava em pandemia! Fizemos esse trabalho até março, quando veio o isolamento
e as sessões pararam”.
Danielle
disse que temia o retrocesso no processo de fala do pequeno o que acabou não se
confirmando. “Tinha muito medo que ele regredisse, mas não, por incrível que
pareça, o vocabulário dele aumentou, como o tempo dele em tela era muito maior,
ele começou a ver vários vídeos diferentes, mudou o vocabulário, eu confesso
que me surpreendi, porque para mim a quarentena ia ser um caos! Hoje ele já
fala tudo certo e já está em processo de alta com a fonoaudióloga. No caso
dele, o que me deixou feliz foi que não houve nenhum tipo de regressão”.
A
especialista em linguagem Lilian Papis explica que a estimulação - tanto
auditiva quanto visual - é benéfica para o desenvolvimento da fala e da
linguagem infantil e que, nos aparelhos eletrônicos, os vídeos e desenhos são
bem coloridos e estimulantes. “A criança aprende através de estímulos
repetitivos e imitação, portanto em alguns casos isso pode ajudar, ou em outros
prejudicar este desenvolvimento, pois existe a privação da necessidade de
comunicação, de diálogo com a família, o que pode atrasar ou interferir neste
processo, além de poder prejudicar o desenvolvimento da atenção e
gráfico”.
Lilian
enfatiza que é importante saber dosar a quantidade de horas diárias que as
crianças passam na frente das telas e estimular a brincadeira infantil,
contação de histórias, rodas de conversas e jogos entre os familiares.
“Oriento
ainda a estimular a criança sempre de frente para ela, na altura dos seus olhos
para ter um adequado contato visual; não falar infantilizado; dar sempre um
correto modelo de fala, não repetir o erro da criança, pois ela aprende a falar
através da audição, repetição e imitação, mesmo que ela não consiga pronunciar
a palavra corretamente, fale o certo. Ela deve ainda comer alimentos adequados
para sua idade, pois a mastigação também é de extrema importância para o
desenvolvimento da fala e linguagem”, acrescenta a especialista.
Mudanças de comportamento
Durante
a infância, o cérebro da criança se desenvolve com muita rapidez gerando
grandes aprendizados. Com a chegada da pandemia e o isolamento dos pequenos em
casa, muitos estímulos necessários para a ampliação do desenvolvimento
cognitivo infantil podem ter diminuído.
Para
especialistas, essa falta de contato com outras pessoas e de vivência fora de
casa pode ter prejudicado não só a fala, mas trazido alterações no sono, no
humor e no apetite das crianças.
“Não
podemos desconsiderar os possíveis estressores ambientais que impactam nas
crianças, sobre isso podemos pensar em mudança de rotina e novos papéis
atribuídos aos pais, perda de familiares pela covid-19, mudanças estruturais
como perda de emprego e pais com pouco manejo emocional”, destaca a psicóloga
especialista em terapia cognitivo comportamental e neuropsicologia Roberta
Alonso.
“As
crianças têm apresentando humor mais irritado, alterações do sono e
comportamentos de impaciência, assim como regressão em sua autonomia,
sobrecarregando os pais”, completa a especialista.
A
psicóloga sugere aos pais trabalhar as próprias emoções e expectativas. “As
crianças estão em desenvolvimento e têm condições de retomar e melhorar suas
habilidades quando começarmos a retomar a rotina em segurança. É importante
pensar que a frustração também faz parte do desenvolvimento e esse período
também está a ensinar isso”, afirma.
Com Informações Agência Brasil