Mãe fala sobre filho que se declarou trans aos 11: 'Não sabia nem por onde começar'

Laura e Thales (Foto: Arquivo pessoal)

A professora Laura Ribeiro da Silveira, 46 anos, de Vitória, Espírito Santo, e o marido, Glauber, já estavam casados há quatro anos e com vida profissional "organizada", quando decidiram que era hora de ter filhos. "Na época, não tínhamos expectativa sobre o sexo do bebê, mas tínhamos nomes escolhidos para ambos, e ficamos muito felizes quando a ultrassonografia mostrou que era menina", lembra.

Mas, segundo a mãe, desde muito cedo, o filho começou a dar sinais de que não se identificava com o gênero feminino. "Com cerca de 4 anos, ele começou a recusar o 'universo feminino', mas de forma discreta, natural e espontânea mesmo, preferindo shorts e camisetas a vestidos e saias; retirando enfeites do cabelo e ficando descalço e sem blusa sempre que possível — o que nunca me incomodou, pois sempre fui a favor do conforto das crianças e do respeito às suas escolhas. Então, não pensei em incongruência de gênero, e ele demorou a verbalizar que gostaria de ser menino", conta.

Foi apenas por volta dos 7 anos, que Thales, como é reconhecido hoje, passou a mencionar que preferia ter nascido menino. "Quando eu perguntava por quê, ele dizia que queria fazer xixi em pé, andar sem blusa e que as brincadeiras dos meninos eram mais legais; eu sempre busquei ouvir e responder com as informações que estavam ao meu alcance, destacando sempre a liberdade de ser quem ele quisesse", lembra Laura. "Mesmo não conhecendo nenhuma criança trans, já tinha lido sobre o assunto no Instragram e conhecia adultos trans", completou ela.

Menino trans, de fato

Então, em maio do ano passado, com 11 anos, Thales verbalizou pela primeira vez que era trans. O próximo passo da família foi buscar ajuda com grupos que pudessem se tornar uma rede de apoio. "Eu disse a ele que buscaria informações sobre o assunto e que poderia contar comigo para o que precisasse ou decidisse fazer sobre sua identidade. Como mãe, a única coisa que eu pensei foi que minha criança tinha rompido um silêncio e precisava de nós para se libertar. Liguei para minha colega, que é trans, e disse que eu não sabia nem por onde começar. Ela me falou da Thamirys, autora do livro 'Minha Criança Trans', e mencionou o ambulatório de crianças trans, em São Paulo, para que eu buscasse o que fosse necessário para minimizar o sofrimento com a puberdade que se aproximava. E assim fiz", continuou.

Logo, Laura já estava em contato com um grupo de mais de duzentas mães e pais de crianças trans do Brasil e de fora do país. "Foi quando chegamos ao Alexandre Saadeh, ao AMTIGOS (o ambulatório dedicado a crianças e adolescentes trans do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e a endocrinologia do Instituto da Criança. Estamos assistidos pela equipe multidisciplinar do Hospital desde junho de 2021", contou.

Laura, que é professora da Universidade Federal do Espírito Santo, acredita que a compreensão sobre o assunto ajudou para que as pessoas próximas acolhessem Thales de maneira positiva. "A reação foi positiva. O acolhimento, respeito e apoio vieram imediatamente da família, da escola, de todes. Sempre conversamos de forma aberta e apresentamos a transgeneridade como um fenômeno natural, que acontece com algumas pessoas", explicou. Por enquanto, a mãe disse que o filho tem sido poupado de situações de preconceito. "O que acontece, às vezes, é ele ser chamado pelo nome de registro ao invés do nome social, como em atendimentos de saúde, por descuido ou despreparo de profissionais que deveriam estar habilitados a lidar com a diversidade. Mas nunca houve, de fato, preconceito ou discriminação", afirmou.

A escola, segundo a mãe, "acolhe, respeita e trata com naturalidade, deixando-o livre desde o início para decidir sobre uniforme, banheiro e grupos". "Quando falei com a direção, a posição imediata da escola foi de apoio e parceria, inclusive me ajudando a buscar soluções como a inclusão do nome social no RG dele. Coordenação, professores e funcionários respeitam Thales em todos os ambientes. Ele adora estar na escola e hoje é um adolescente social, popular, extrovertido, muito diferente da criança tímida que vivia em silêncio na escola antes da transição", comemora.

Maternidade que transforma

Por fim, questionada sobre como ter um filho trans a transformou, Laura respondeu: "Eu sempre levei a maternidade a sério e busco ser a melhor mãe que minhas crianças poderiam ter. Mesmo sendo uma mãe presente, atuante e companheira, a transgeneridade me surpreendeu no sentido de novidade, de ser um assunto que eu não dominava, mas, ao mesmo tempo, foi como virar uma chave para eu entender muita coisa do comportamento passado do Thales e um 'combustível' para ajudá-lo cada vez mais nessa descoberta e afirmação identitária. Ao longo desse ano de transição, estudei muito, conheci muita gente, consegui que ele tivesse muitos direitos garantidos e descobri que a luta das pessoas trans é antiga, é essencial, é de todes e precisa de muitas mãos", disse.

No ano passado, Laura criou um perfil no Instagram (@mae.adolescentetrans) para contar a história da transição de Thales e ajudar outras famílias com filhos na mesma situação. "Hoje, sinto que ter um filho trans me fez uma pessoa melhor, uma aliada da causa LGBTQIAP+ em nosso país, para além da sala de aula que, até então, era meu único local de luta. Como mãe de trans, descobri a importância da diversidade para o crescimento de nossa sociedade", finalizou.

Fonte: Crescer


Postagem Anterior Próxima Postagem