Matrículas das universidades federais caem pela primeira vez desde 1990

Morador de João Pessoa, George Monteiro, de 20 anos, precisou desistir da matrícula da Universidade Federal da Paraíba — Foto: Josemar Goncalves

George Monteiro, de 20 anos, já tinha encaminhada sua trajetória acadêmica. Ex-aluno de um instituto federal no ensino médio, foi aprovado em 2020 para cursar Pedagogia na Universidade Federal da Paraíba. Em momento algum pensou que precisaria desistir dessa trilha. Mas aconteceu.

— Nunca pensei em interromper esse sonho para trabalhar. Comecei minha faculdade na pandemia e logo depois precisei de um emprego. Está tudo bem caro. Só minha irmã trabalha em casa e preciso ajudar para garantir a segurança alimentar da minha família — conta o jovem, que agora está desempregado, mas vai precisar continuar trabalhando. — Fico triste demais de falar isso.

O morador de João Pessoa não está sozinho. Pela primeira vez desde 1990, o Brasil registrou queda de matrículas nas universidades federais, entre 2019 e 2020 — passando de 1,3 milhões para 1,2 milhões. Entre os principais motivos, está o maior número de trancamentos já registrado na história da rede (270 mil). Os dados são do mais recente Censo de Educação Superior, divulgado neste ano.

— Também foi muito difícil estudar durante a pandemia no ensino remoto. Não tenho um lugar adequado e só um celular para acompanhar as aulas — conta George.

O ensino remoto também impediu Larissa Geovana de continuar estudando na Universidade Federal de Alfenas, em Minas Gerais. Mãe de um menino de quatro anos, Larissa não conseguiu assistir às aulas de forma on-line e reprovou em todas as disciplinas. Trancou, mas pôde retornar neste semestre, quando as aulas voltaram ao presencial.

— Tranquei porque minha psicóloga me indicou. Espero conseguir me formar agora — afirma a jovem.

Primeira da família a acessar a universidade pública, Rhaissa Vieira, 28 anos, conseguiu conciliar toda a graduação na Universidade Federal Fluminense com o trabalho. Na pandemia, não deu conta e trancou faltando apenas um período para o sonhado diploma.

— Foi muito dolorido tomar essa decisão. Não dei conta emocionalmente — admite .

A jovem diz que precisava conciliar o estudo com o trabalho mesmo recebendo a bolsa de pesquisa. Segundo Rhaissa, os R$ 400 que ganhava “não davam para nada”. Por isso, foi vendedora, babá, manicure e, por fim, professora de educação infantil, graças à formação no normal do ensino médio.

— Ao longo da graduação, passei por vários problemas financeiros e familiares, mas consegui levar. No final, não dei conta da modalidade remota. Foi uma situação limite mesmo — conta.


Cortes e bloqueio

Pesquisador especialista em ensino superior, Carlos Bielschowsky afirma que a pandemia e os problemas de financiamento enfrentado pelas universidades federais foram preponderantes para a queda do número de matrículas. Procurado, o Ministério da Educação não respondeu aos questionamentos da reportagem.

— Essa queda de matrículas é gravíssima — afirma Bielschowsky.

Em 2020, as federais tiveram R$ 5,7 bi para despesas discricionárias. Essa verba, que chegou a ser de R$ 12 bilhões em 2011, é para despesas indispensáveis (como contas de água, luz, segurança e limpeza), investimentos (reformas, compra de equipamentos e insumos para pesquisas) e bolsas (auxílios para alunos pobres poderem continuar seus estudos).

Com isso, o orçamento para auxílio permanência caiu de R$ 213 milhões para R$ 197 milhões, o menor desde 2015, e o número de alunos com algum tipo de apoio social também despencou, passando de 311.246 para 233.029, o menor desde 2014.

— As matrículas caem, a evasão aumenta substancialmente e a procura pelas universidades é a mais baixa da história — avalia Maria Rita de Assis César, professora da faculdade de Educação da UFPR e coordenadora do Fórum de Pró-reitores de Assuntos Estudantil.

Na sexta-feira, o MEC ainda informou o bloqueio de 14,5% da verba das universidades e institutos federais para custeio, como a assistência estudantil, e investimento este ano. Isso representa mais de R$ 1 bilhão. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), esse corte “inviabiliza, na prática, a permanência dos estudantes socioeconomicamente vulneráveis, o próprio funcionamento das instituições federais de ensino e a possibilidade de fechar as contas neste ano”.

Os dados das universidades federais registram quatro portas de saída: trancamento (nesse caso, há a possibilidade de voltar ao curso), desvinculações (quando a universidade cancela a matrícula, como no caso de jubilados), mortes e formaturas.

Em 2020, além do recorde histórico de trancamentos, houve — em meio à pandemia — um pico histórico de universitários mortos, com 264 registros, o maior número da década. Já o número de desvinculações caiu de 200 mil para 120 mil e de formandos também diminuiu, de 149 mil para 118 mil. No balanço com os novos alunos, as universidades federais registraram 81 mil matrículas a menos, uma queda de 6%. Enquanto isso, as universidades privadas aumentaram suas matrículas em 3%, passando de 6,5 milhões, em 2019, para 6,7 milhões, em 2020.

Sem orçamento

De acordo com uma pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior de 2018, que traçou o perfil socioeconômico dos alunos, 70% dos alunos recebem menos de um salário mínimo e meio.

— Hoje a assistência estudantil não consegue atingir nem mesmo aqueles com renda de até 1 salário mínimo per capita — afirma Assis César. — E também as bolsas e auxílios estão com valores muito defasados, em média de R$ 400, também pela insuficiência de orçamento disponível.

Na semana passada, o financiamento das universidades federais esteve em debate por conta de uma proposta de lei que pretende cobrar uma mensalidade de estudantes com determinado patamar de renda. Especialistas, no entanto, apontaram que a medida além de ser ineficiente para arrecadação cria mais barreiras para estudantes não acessarem o ensino superior.

— É preciso haver uma recomposição orçamentária e um plano emergencial para contenção dos prejuízos da pandemia na educação. Se não houver nada disso, os prejuízos serão enormes — avalia Bruna Brelaz, presidente da União Nacional de Estudantes.

Fonte: O Globo


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