Voluntários fazem ação humanitária para afegãos acampados em aeroporto de SP tomarem banho e terem lazer

Ministério Público Federal encaminhou ofícios para Casa Civil, Ministério da Cidadania, governo de SP, prefeituras e concessionária do aeroporto pedindo explicações. 160 afegãos estão no saguão do aeroporto desde o começo de outubro.

Voluntários fazem ação humanitária emergencial neste sábado (15) — Foto: Reprodução/TV Globo

Voluntários se uniram e realizaram neste sábado (15) uma ação humanitária emergencial para os 160 afegãos que continuam acampados no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na Grane São Paulo, à espera de vagas em abrigos.

Na ação, realizada em uma associação do bairro dos Pimentas, o grupo pôde tomar banho, se alimentar e ter momentos de lazer entre eles, como jogar futebol.

Priscila Rodrigues de Souza é presidente da ONG Bem da Madrugada e conta que um dos principais pedidos dos afegãos era em relação ao banho. Por isso resolveu se mobilizar.

"Fizemos uma ação na quarta-feira (12) para sanar a fome, e o pedido deles era o banho. Muitos estavam 10 dias sem tomar banho. Corremos atrás disso e fizemos parceria com a associação."

Dur Mohammad Aryobee chegou recentemente ao Brasil e disse que ficou surpreso com a ação.

"A situação não é tão boa, mas recebemos alimentos e estamos agradecidos. Esperamos que nossa família tenha um lugar melhor. Estaríamos piores sem a bondade do povo brasileiro. Nunca vimos algo assim. Somos muito gratos", afirmou.

Ação humanitária emergencial feita para afegãos neste sábado (15), em SP — Foto: Reprodução/TV Globo

O governo do estado disse que está investindo mais de R$ 2 milhões para criar novas vagas de acolhimento aos refugiados.

A concessionária que administra o aeroporto de Guarulhos informou que tem dado suporte para que os afegãos tenham acesso à higiene pessoal.

Disse ainda que na última semana disponibilizou um vestiário para que os afegãos pudessem tomar banho, mas não explicou se é uma solução permanente.

Acolhimento

Na quinta-feira (14), 54 afegãos foram encaminhados para um abrigo de Morungaba, interior de São Paulo, segundo informou a Prefeitura de Guarulhos.

Também foi feita uma ação no Posto Humanizado para vacinar o grupo antes que seguisse para o abrigo. Entre os afegãos acolhidos estavam mulheres, crianças e idosos.

Dois afegãos, que estavam a caminho do abrigo, preferiram retornar ao aeroporto, por conta da distância da cidade até a capital, e se juntaram aos outros 160 que aguardam vagas.


A prefeitura diz que a verba destinada pelo governo federal já foi debitada na conta da Prefeitura de Guarulhos.

"Agora, serão iniciados os trâmites e definida as soluções para abertura de mais vagas de acolhimento na cidade", diz a nota.

Para a ativista Swany Zenobini, que acompanha a chegada dos imigrantes desde 19 de agosto deste ano e presenciou bebês afegãos dormindo no chão, é um alívio saber que parte do grupo poderá ter uma nova oportunidade de vida.

"É uma grande alegria ver eles com uma expressão de alívio, de que finalmente vão poder recomeçar a vida aqui."

Jornalista afegão com sua mulher e filhos na chegada ao Brasil — Foto: Fábio Tito/g1

Desde que o governo brasileiro publicou uma portaria estabelecendo a concessão de visto temporário a afegãos, para fins de acolhida humanitária, o Brasil passou a ser um dos principais destinos para os que fogem do regime Talibã, grupo extremista que voltou ao poder no Afeganistão em agosto de 2021.

O Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, passou a ser uma espécie de acampamento para famílias afegãs que, em vez de terem acolhimento imediato, precisam esperar dias por vagas em abrigos (leia relatos abaixo).

Dados do Ministério das Relações Exteriores apontam que, desde o início da concessão de visto humanitário, em setembro de 2021, até a última sexta-feira (7), foram autorizados 6.299 vistos a afegãos.

De janeiro até outubro, já entraram no país cerca de 1,3 mil.

Este número pode até quadriplicar em 2023, o que preocupa órgãos como a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal (MPF). Isso porque os municípios de Guarulhos e São Paulo, além do estado, não têm estrutura para abrigar todos os que chegam, e os saguões do aeroporto acabaram se tornando moradias dessas famílias.

O MPF encaminhou um ofício na segunda (10), para a Casa Civil da Presidência da República, questionando se a crise humanitária está sendo tratada pela União seja por meio de Termo de Colaboração, realizado nos moldes da Operação Acolhida e do Edital de Chamamento Público SNJ nº 02/2018, seja no âmbito do Comitê Federal de Assistência Emergencial (CFAE), ou por algum outro mecanismo de articulação.

Em caso de resposta positiva, o MPF pede que seja apresentado um relatório acerca das medidas adotadas. Em caso negativo, quer saber quais medidas estão sendo tomadas para lidar com a questão.

Outros ofícios pedindo explicações e ações para evitar a crise humanitária foram encaminhados para: Assuntos de Migrações do Ministério da Cidadania, Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social do Município de Guarulhos, Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo e concessionária GRU Airport.

Pessoas esperar do lado de fora do Aeroporto Internacional de Cabul, no Afeganistão, após Talibã tomar o poder — Foto: Reuters/Stringer

Alta procura por vistos

Como o acolhimento não se encerra com a concessão do visto, defensores públicos acompanham a situação e dizem que é preciso haver ações emergenciais para que os imigrantes sejam devidamente recebidos, já que muitos não conseguem vagas imediatas em abrigos e passam a ficar dias nos corredores do aeroporto à espera de acolhimento.

Ao g1, o coordenador de Migrações e Refúgio da Defensoria Pública da União em SP, João Chaves, retratou que, com o aumento de chegadas, há um déficit de acolhimento e falta de equipamento público.

Mulheres afegãs passam por um combatente do Talibã em Cabul, Afeganistão. As vidas de afegãs estão sendo destruídas pela repressão do Talibã a seus direitos básicos, informou a Anistia Internacional em um novo relatório publicado nesta quarta-feira, 27 de julho de 2022. — Foto: AP - Hussein Malla

Porém, para ele, o país precisa cumprir o comprometimento internacional de que ajudaria afegãos e se preparar para a chegada de novos imigrantes.

"Desde o final de 2021, o Brasil editou a portaria com direito de visto humanitário. Ao longo de 2022, várias pessoas conseguiram os vistos e, aos poucos, estão vindo para cá. Essa chegada não foi repentina, ela foi esperada. Por isso, o Brasil tem obrigação de ter solução. Ainda há pessoas com vistos que vão chegar", enfatiza.

A alta procura de afegãos nas embaixadas brasileiras em Teerã, no Irã, e Islamabad, no Paquistão, fez com que o Ministério das Relações Exteriores suspendesse temporariamente novos agendamentos nesses locais.

Na Embaixada do Brasil em Teerã, no Irã, por exemplo, foram agendados cerca de 7 mil pedidos para a concessão de visto entre novembro de 2021 e junho de 2022. As entrevistas ainda estão sendo feitas.

Além disso, há 825 pessoas aguardando para serem entrevistadas em Islamabad, Paquistão, até 11 de janeiro de 2023, segundo o Itamaraty.

Em setembro deste ano, a Defensoria Pública da União em SP recomendou, por meio de petição, que o Ministério retomasse o agendamento para vistos, alegando que, uma vez criada a norma para acolhida humanitária, é dever que o país ofereça a emissão de vistos.

No dia 27 de setembro, o Itamaraty respondeu a petição da Defensoria Pública sobre a suspensão e a reportagem do g1 teve acesso à resposta em 11 de outubro.

Meninos trabalham em fábrica de tijolos nos arredores de Cabul — Foto: Ebrahim Noroozi/ AP

O órgão ressaltou que "a afirmação de que a sistemática de concessão de vistos adotada pelas embaixadas brasileiras inviabiliza a política humanitária não corresponde à realidade dos fatos", já que o governo brasileiro autorizou a concessão de 6.299 vistos humanitários para os afegãos.

"As embaixadas em Teerã e Islamabad sãos as que mais concederam vistos a nacionais afegãos. Ademais, a Embaixada do Brasil em Teerã foi a que mais concedeu vistos quando comparada a toda a rede de postos brasileira, superando a produção de vistos de embaixadas e consulados brasileiros em países superpopulosos, como a Índia e a China".

A luta das afegãs por liberdade — Foto: AFP/Wakil Kohsar

O Ministério das Relações Exteriores ainda disse que, em relação às entrevistas para solicitação de visto, novos agendamentos são disponibilizados de acordo com a capacidade de processamento das embaixadas.

"A eventual suspensão temporária dos agendamentos, como foi o caso nas embaixadas em Teerã e Islamabad, recentemente, e a disponibilização de novas vagas são decididas com vistas a assegurar a eficiência e a continuidade da prestação dos serviços consulares. Informações sobre as entrevistas poderão ser requeridas diretamente pelos solicitantes junto às embaixadas autorizadas a conceder visto humanitário para afegãos"

Ainda na reposta, o Itamaraty alegou que a decisão das embaixadas de liberação de novos agendamentos de entrevistas é fundamental para a consecução da política humanitária.

"Cada visto de acolhida humanitária requer, em média, horas de trabalho no posto, passando por diversas etapas, como checagem de documentação, agendamento, confirmação de entrevista, entrevista, processamento no sistema, realização de consultas pertinentes, autorização e impressão de visto".

"No caso da embaixada do Brasil em Islamabad, etapa adicional é necessária, uma vez que devem ser realizadas gestões junto ao governo local a fim de viabilizar a vinda de nacionais afegãos ao Brasil. A mencionada embaixada deve preparar e tramitar pedido de autorização de embarque ao governo paquistanês, documento mandatório para qualquer cidadão afegão deixando o Paquistão. Neste momento, em Islamabad, há 825 pessoas com entrevista de visto para acolhida humanitária agendada até 11/01/2023".

Afeganistão assolado pela fome — Foto: Reuters/Ali Khara

Já no caso da embaixada em Teerã, o Ministério afirmou que foram suspensos novos agendamentos para entrevistas até que os cerca de 7 mil pedidos de agendamento, acordados no período de 12 de novembro de 2021 a 12 de junho de 2022, fossem atendidos.

"As entrevistas nos postos nunca foram interrompidas. Por exemplo, em média são realizadas 50 entrevistas diariamente, na Embaixada do Brasil no Irã. Decisões de suspensão de entrevistas e a disponibilização de novos agendamentos são analisados caso a caso, de acordo com a realidade local, e com o objetivo de garantir a eficácia da política humanitária brasileira", alegou o órgão à Defensoria Pública.

Bebês no chão

Imagens feitas pela ativista Swany Zenobini mostram crianças e bebês dormindo no chão do aeroporto na noite de domingo (9) junto com suas famílias.

O saguão do terminal virou uma espécie de acampamento para os grupos, que colocam no local bagagens, roupas e colchões doados por voluntários.

"Oficialmente temos um campo de refugiados estabelecido dentro do aeroporto de Guarulhos. É um absurdo essa situação. É inadmissível isso. Vou continuar cutucando e perturbando quem preciso for para que isso seja resolvido. Na hora de ser voz serei voz, mas na hora de ser braço forte, não pouparei esforços", afirma a ativista.

Crianças afegãs dormem no chão enquanto famílias esperam acolhimento no Brasil — Foto: Arquivo Pessoal/Swany Zenobini

"A solução não é parar de emitir visto humanitário para os afegãos. Eles são profundamente gratos pelo Brasil os ter aceito. A solução é criar políticas públicas e incluir como prioridade a pauta de refugiados. Não adianta só liberar o visto, precisa liberar as condições para receber com dignidade essas pessoas que estão chegando”, enfatiza Swany Zenobini.

O Ministério da Cidadania afirmou que o município de Guarulhos foi contemplado com recursos previstos em uma portaria publicada apenas na última semana, em 5 de outubro. A Portaria MC n° 819 repassa recursos emergenciais para a oferta de ações socioassistenciais em decorrência do recebimento de imigrantes e refugiados oriundos de fluxo migratório.

"O repasse de recursos federais é destinado ao acolhimento provisório do público e de atendimento de necessidades imediatas, promovendo atendimento socioassistencial especializado e integral, visando promover sua inclusão nas demais ofertas do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e apoio ao acesso a direitos."

Ainda conforme o ministério, serão repassados, nos próximos dias, R$ 240 mil para atendimento a 100 imigrantes em situação de vulnerabilidade, conforme solicitação feita pelo município.

Acampamento no aeroporto

Afegãos que fugiram do regime Talibã e chegaram no Brasil — Foto: Fábio Tito/g1

O g1 acompanha a situação dos imigrantes desde o mês passado, quando o aeroporto reuniu mais de 90 afegãos à esperada de abrigos.

No dia 16 de setembro, a reportagem conversou com famílias que tinham acabado de entrar no Brasil em busca de liberdade e recomeço (veja vídeo e fotos mais abaixo).

"Quando vi a situação no aeroporto, a gente perdeu um pouco da esperança de conseguir algo. Não era para encontrar o povo sem assistência. Mas eu tenho ainda esperança no Brasil de poder trabalhar na minha área no jornalismo. Infelizmente, minha mãe e o meu pai estão no Afeganistão. Por isso, não posso me identificar. Porque, se localizam a minha família, podem oprimir", disse um ex-apresentador afegão que decidiu morar em São Paulo com a mulher e as duas filhas.

Outro afegão, de 30 anos, relatou ao g1 que era diretor de uma empresa comercial e decidiu vir para o Brasil no começo de setembro depois de ficar oito meses no Irã. Ele também preferiu ter a identidade preservada.

"Os iranianos discriminam diretamente o povo do Afeganistão. Pesquisei na internet que seria uma boa opção vir para o Brasil. O custo [da viagem] saiu US$ 2 mil. Agora, não tenho mais como sair daqui. O dinheiro que a gente investiu foi para vir para cá. Não tenho como ir para outro lugar. Pedimos que o governo brasileiro dê um lugar decente para morar, ensinem português. A gente mesmo vai procurar trabalho. A gente não está em busca de benefícios gratuitos. Precisamos de um lugar decente para viver e aprender o idioma para trabalhar", relatou, antes de ser informado que seria encaminhado para o Centro de Acolhida.

Ainda conforme a prefeitura, na última sexta-feira (7), para acolher algumas famílias com idosos, deficientes e grávidas que estavam no aeroporto, foram abertas mais 20 vagas de forma.


Em nota de 11 de outubro, o Itamaraty informou que acompanha, com atenção, o aumento no número de pessoas afegãs que chegam ao Brasil desde a adoção da portaria interministerial MRE/MJSP n. 24 de 3/9/2021.

"Em apoio aos órgãos responsáveis pela política interna de acolhimento, o Itamaraty vem atuando na articulação e oferecendo sugestões de medidas a demais entidades governamentais envolvidas no assunto, nas esferas federal, estadual e municipal".

De acordo com o órgão, também estão sendo mantidas ações de coordenação com agências especializadas das Nações Unidas (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR e Organização Internacional para as Migrações – OIM.

Integrantes do Talibã desfilam por ruas de Cabul com armas para festejar o primeiro ano do regime no poder do Afeganistão, em 15 de agosto de 2022. — Foto: AFP

"Preocupado com o acolhimento dessa parcela minoritária, o Itamaraty tem mantido contatos com organismos internacionais especializados para promover ações de capacitação que possam apoiar as entidades da sociedade civil nesse desafio. O primeiro ciclo de capacitação deve ocorrer entre outubro e novembro".

O Itamaraty ainda afirmou que promoveu, em 29 de setembro, uma reunião com embaixadas sediadas em Brasília para mobilizar apoio financeiro a ações de acolhida que agências internacionais vêm empreendendo em parceria com órgãos governamentais e organizações da sociedade civil.

Fonte: G1

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