Cantor interrompeu apresentação ao ouvir grito de 'Toca Raul!' e afirmou que pai do rock nacional morreu como "um mendigo", mas fatos desmentem
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Raul Seixas em setembro de 1988, menos de um ano antes de morrer — Foto: Antonio Carlos Piccino/Agência O GLOBO
Era início da tarde quando Raul Seixas recebeu a equipe do GLOBO para uma entrevista no apart-hotel onde ele morava, no Jardins, uma área rica de São Paulo. Naquela sexta-feira, em setembro de 1988, o músico baiano considerado o pai do rock brasileiro estava lançando seu 30º álbum, "A Pedra do Gênesis", um ano depois do sucesso do disco "Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!".
"Este disco novo marca a retomada da Sociedade Alternativa, onde cada homem é embaixador do seu país, e fim de papo", disse o cantor. "Esta retomada da minha carreira era necessária. Estava sendo egoísta com as pessoas. Já deixei muita gente na mão. Agora, tenho um dever a cumprir com as pessoas. Não é um dever apenas comigo, é com os outros também. Não posso mais viver sozinho".
Lutando contra uma depressão, diabético e debilitado pelo alcoolismo e pela pancreatite, Raulzito já tinha sido internado várias vezes e estava afastado dos palcos. Mas mantinha o talento para criar hits. "Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!" (1987) recebera o certificado de Disco de Ouro, alavancado pelo sucesso da faixa "Cowboy fora da lei", incluída na trilha sonora da novela "Brega & Chique", da Globo.
"Sou louco mas coloco todo ano um disco de ouro na parada. Sim, estou sozinho. Um lobo solitário pra armar uma presa", disse o roqueiro de então 43 anos, antes de mandar um recado para quem criticava as interrupções na sua carreira. "Só querem me ver passando fome. Não conseguirão".
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Raul Seixas: 'Sou louco mas coloco todo ano um disco de ouro na parada' — Foto: Antonio Carlos Piccino/Agência O GLOBO
"A Pedra do Gênesis" não teve o mesmo sucesso de vendas, mas, no primeiro semestre de 1989, Raul percorreu o Brasil e fez 50 shows, ao lado do cantor Marcelo Nova, ex-Camisa de Vênus. Durante as apresentações, o compositor estava com saúde nitidamente fragilizada. No dia 21 de agosto daquele ano, ele foi encontrado morto em seu apartamento, vítima de uma pancreatite aguda.
Raul morreu dias depois de lançar o LP "A Panela do Diabo", em parceria com Nova. Com faixas como "Be-Bop-A-Lula" e "Carpinteiro do Universo", trabalho também receberia o certificado de Disco de Ouro.
Autor de sucessos como "Metamorfose Ambulante", "Ouro de Tolo" e "Mosca na sopa", o compositor é frequentemente lembrado durante shows de outros artistas quando alguém no público grita o mantra "Toca Raul!", muitas vezes de brincadeira. No último dia 27 de março, o cantor Lobão interrompeu uma apresentação em São Bernardo do Campo quando ouviu esse berro e deixou clara sua irritação.
"Isso é um erro da plateia dentro do rock n' roll brasileiro", disse Lobão no microfone, antes de emendar: "Primeiro porque o Raul morreu de fome, um mendigo. Na época em que ele deveria estar recebendo o 'toca Raul', ele não estava. Agora, it's too late, baby". Ainda segundo o cantor, o grito pode ser entendido, por quem está no palco, como uma crítica desrespeitosa de quem não está gostando do show. Nas palavras de Lobão, seria como se estivessem dizendo: "Para de tocar suas porras e toca Raul".
Depois que vídeos com as declarações de Lobão circularam pelas redes sociais, a DJ Vivi Seixas, filha de Raul, publicou uma nota esclarecendo que seu pai "sempre viveu confortavelmente", recebendo os direitos autorais e artísticos por suas canções. No mesmo texto, Vivi relembrou os "50 shows no Brasil inteiro" que o roqueiro fez antes de morrer, "com plateias grandes", rebatendo as palavras de Lobão.
"Fiquei impressionada e decepcionada com a falta de sensibilidade do Lobão, ele se esqueceu que está se referindo a um pai, marido e ídolo", questionou a produtora musical, que em seguida republicou um vídeo do mesmo Lobão cantando "Maluco Beleza", um dos maiores sucessos de seu pai.
Em suas redes sociais, Lobão não se desculpou pela escolha de palavras ao criticar o pedido de "Toca Raul", mas exaltou o cantor baiano. "Jamais foi meu intuito rebaixar a carreira ou a grandeza de Raul Seixas perante a música brasileira", escreveu ele. "Os termos usados são meras ilustrações do fato de que Raul não teve o reconhecido merecido no final da sua carreira", continuou. "Tenho o maior amor, carinho e gratidão pelo Raul e não é à toa que me chamavam de LOBO EXPIATÓRIO."
Fonte: O Globo