O tradicional sistema
agrícola dos apanhadores de sempre-vivas da Serra do Espinhaço (MG) receberá o
reconhecimento internacional denominado Sistemas Importantes do Patrimônio
Agrícola Mundial (SIPAM) concedido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e Agricultura (FAO). Essa certificação reconhece patrimônios agrícolas
desenvolvidos por povos e comunidades tradicionais em diversas partes do mundo.
O anúncio de
reconhecimento do primeiro Patrimônio Agrícola Mundial brasileiro pela FAO será
feito nesta quarta-feira (11), às 11h, na sede do Ministério da Agricultura, em
Brasília.
A candidatura do
projeto brasileiro foi encabeçada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa) que coordenou, por meio da Secretaria de Agricultura Familiar
e Cooperativismo, o encaminhamento do dossiê e do Plano de Conservação Dinâmica
do Sistema, em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e a FAO,
para que o Sistema de Agricultura Tradicional da Serra do Espinhaço concorresse
ao título de Patrimônio Agrícola Mundial, o primeiro dessa categoria
conquistado pelo Brasil.
Com o reconhecimento
das comunidades apanhadores de flores, o sistema de Minas Gerais passará a ser
o quarto SIPAM da América Latina e o 59º patrimônio agrícola, envolvendo 22
países. Os outros três latino-americanos são o corredor Cuzco-Puno (Peru); o
arquipélago de Chiloé (Chile) e o sistema de Chinampa no México. São sistemas
ricos em biodiversidade agrícola e vida selvagem e importantes fontes de
conhecimento indígena e culturas ancestrais.
Biodiversidade
As seis comunidades
que tiveram seus sistemas agrícolas reconhecidas pela FAO são Lavras,
Pé-de-Serra, Macacos e as comunidades quilombolas de Raiz, Mata dos Crioulos e
Vargem do Inhaí – estão numa área de aproximadamente 100 mil hectares e chegam
a manejar mais de 400 espécies de plantas já catalogadas, incluindo as
alimentares e as medicinais, cujos conhecimentos e práticas únicas são
desenvolvidas ao longo de gerações para manter os recursos genéticos e melhorar
a agrobiodiversidade.
Em relação às
sempre-vivas - termo popularizado em virtude das características das flores,
que depois de colhidas e secas, conservam sua forma e coloração - há cerca de
90 espécies manejadas de flores, com diversos formatos e cores.
No período de abril a
outubro, apanhadores e suas famílias sobem a serra para a coleta, em áreas de
campos rupestres do Cerrado, conhecida como Savana brasileira, que ocorrem a
1,4 mil metros de altitude. É nesses campos na Serra do Espinhaço que se
encontram 80% das espécies de flores sempre-vivas no Brasil, de acordo com
dados do dossiê enviado à FAO.
Os apanhadores
permanecem por lá durante semanas. Para eles, é um momento de encontro entre as
comunidades, promovendo a socialização. Além das flores são também coletados
diversos tipos de folhas, frutos secos dentre outros produtos ornamentais, a
depender da época do ano.
Comunidades guardiãs
Essas comunidades são
consideradas guardiãs da biodiversidade, tanto de sementes agrícolas como de
conhecimentos tradicionais associados às espécies silvestres conhecidas como
sempre-vivas e, ainda, de outras plantas importantes na dieta e na medicina
tradicional quilombola. Ainda hoje preservam modo de vida tradicional de seus
descendentes. São cerca de 1,5 mil pessoas, descendentes de indígenas, europeus
e africanos que viveram no Brasil colonial.
A peculiaridade da
região é uma combinação de atividades agrícolas, de pastoreio e extrativismo
que formam um sistema de manejo dinâmico da paisagem. Conhecimentos continuam
sendo transmitidos entre gerações; as sementes são trocadas e o seu
compartilhamento é conduzido pelas comunidades, contribuindo assim para
conservar o recurso genético vegetal.
O manejo é baseado no
conhecimento tradicional, estritamente relacionado aos ciclos naturais das
espécies e à intensidade de coleta, a fim de garantir a renovação e manutenção
de cada espécie.
De acordo com
Codecex, a venda das flores é a principal fonte de geração de renda para as
famílias, sendo que algumas delas, dos municípios de Presidente Kubitschek e
Diamantina, já comercializam para os Programas de Compras Públicas (Programa
Nacional de Alimentação Escolar –PNAE e o Programa de Aquisição de Alimentos -
PAA).
Do total produzido,
as exportações ultrapassam 80% das espécies ornamentais comercializadas
(flores, botões, ramagens, frutos secos), sendo que 55% destas são as
sempre-vivas ou margaridinhas.
Os principais
importadores são os Estados Unidos, Países Baixos, Espanha e Itália (absorvem
quase 90% das exportações). No Brasil, o destino comercial das flores é,
principalmente, São Paulo, seguido por Minas Gerais, Paraná, Distrito federal e
Ceará, segundo a comissão.
Além das flores e
outras espécies ornamentais, a renda é proveniente também do artesanato,
comercialização de leite e queijo, produtos da agroindústria caseira (farinha
de mandioca, de milho, rapadura, frutas e hortaliças (pequenas quantidades). A
maioria da produção é para consumo das famílias.
Atualmente, em 15
municípios há comunidades apanhadores de flores na Serra do espinhaço
Meridional. A Codecex atua diretamente em oito e há demanda de mais quatro
municípios.
Sistemas agrícolas ancestrais
Criado em 2002 pela
FAO, o SIPAM (Globally Important Agricultural Heritage System – GIAHS,
sigla em inglês) combina biodiversidade agrícola, ecossistemas resilientes e um
patrimônio cultural valioso. São sistemas agrícolas ancestrais que constituem a
base para inovações e tecnologias agrícolas contemporâneas e futuras. Sua
diversidade cultural, ecológica e agrícola ainda é evidente em muitas partes do
mundo, mantida como sistemas únicos de agricultura.
Para que o Sistema de
Agricultura Tradicional da Serra do Espinhaço concorresse ao reconhecimento,
ainda em 2018, as comunidades se organizaram e, com o apoio da Comissão em
Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex), prepararam o
dossiê de candidatura com o apoio de universidades parceiras.
Além disso,
elaboraram o Plano de Conservação Dinâmica do Sistema Agrícola, em parceria com
secretarias do governo de Minas Gerais e instituições públicas do estado como o
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha)
e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais
(Emater), além das prefeituras de Diamantina, Presidente Kubitschek e
Buenópolis. Estão previstas ações como de pesquisa e inovação, elaboração de
maro legal e de políticas públicas.
O sistema brasileiro
foi avaliado pelo comitê científico da FAO, passando por várias etapas
seletivas que incluíram a análise do dossiê com dados históricos e a
visita in loco dos especialistas das Nações Unidas.
Fonte: Agricultura.gov